O STF e a ultratividade das normas coletivas

Na coluna desta terça-feira, a colega Ana Luiza Coutinho, advogada do escritório Peluso, Stupp e Guaritá Advogados, escreve sobre decisão do STF que tratou do princípio da ultratividade das normas coletivas nos contratos individuais de trabalho.

Leia a íntegra do texto:

Ana Luiza Coutinho

Em 28 de maio de 2022, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade do princípio da ultratividade das normas coletivas nos contratos individuais de trabalho. Por esse princípio, os contratos de trabalho sofriam influência das cláusulas normativas inclusive após o seu prazo de vigência, até que houvesse modificação ou supressão das respectivas normas mediante nova negociação coletiva.

Essa influência pós-período de vigência estava, até então, consolidada no entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST), conforme Súmula n.º 277 do TST.

O julgamento foi realizado nos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 323 ajuizada pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen), em 2014, para questionar a jurisprudência do TST e, consequentemente, a constitucionalidade da Súmula n.º 277.

Em 2016, o ministro Gilmar Mendes, do STF, já havia concedido liminar determinando a suspensão de todos os processos e dos efeitos das decisões no âmbito da Justiça do Trabalho que discutiam sobre o tema.

A maioria dos ministros acompanhou o voto do relator pela procedência do pedido formulado pela Confenen, com divergência dos ministros Edson Fachin, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski, que defenderam a validade da interpretação do TST, porque resguardaria o trabalhador de se ver na iminência de perder direitos em intervalo de vazio normativo.

No entanto, para o ministro Gilmar Mendes, um acordo coletivo não pode continuar valendo para beneficiar apenas algumas das partes, fundamentando que as normas coletivas são firmadas após amplas negociações e concessões mútuas, soando distorcido que apenas um lado da relação continue a ser responsável pelos compromissos antes assumidos, após a vigência das cláusulas normativas, de modo a evidenciar que o entendimento do TST subverte a vedação literal à ultratividade, em violação direta aos princípios da legalidade, da separação dos poderes e da segurança jurídica.

Além disso, o ministro Gilmar Mendes refutou o desamparo aos trabalhadores arguido em voto divergente pelo ministro Edson Fachin, argumentando que no Brasil existem garantias constitucionais e legais assegurados aos trabalhadores, independente de negociação coletiva, motivo pelo qual – na inexistência desta – os empregados não ficariam desamparados em decorrência dos direitos essenciais já resguardados pela legislação brasileira.

Portanto, segundo o entendimento do STF, ao fim da vigência do acordo ou convenção coletiva de trabalho, as normas pactuadas perdem sua aplicabilidade, impossibilitando a prorrogação de seus efeitos no tempo nos contratos individuais de trabalho, em consonância com o parágrafo 3º do artigo 614 da CLT, redação dada pela Lei nº 13.467/2017.

O Plenário do STF também declarou a inconstitucionalidade de decisões judiciais que entenderam que o artigo 114, parágrafo 2º, da Constituição Federal, autorizaria a aplicação do princípio da ultratividade de normas de acordos e convenções coletivas.

Nesse cenário, ao julgar a controvérsia sobre a legalidade do princípio da ultratividade das normas coletivas, o entendimento do STF traz um estímulo à negociação coletiva em respeito à autonomia da vontade das partes no momento da pactuação de cláusula normativa, principalmente, quando se trata da imprevisibilidade das relações de trabalho no País, sendo assegurada flexibilidade às partes para modificação das condições contratuais ou até mesmo revogá-las para um novo planejamento empresarial de acordo com a realidade social da época.