Recomendação sobre Lei de Anistia divide integrantes da Comissão Nacional da Verdade

A inclusão de recomendação para mudança da Lei de Anistia no seu relatório final tem dividido a CNV (Comissão Nacional da Verdade). Apesar de não ser papel da comissão sancionar agentes violadores de direitos humanos no período da ditadura militar, a proposição pode abrir caminho para que a Justiça puna os agentes do Estado que, durante a ditadura militar, cometeram graves violações de direitos humanos, como assassinatos, torturas e desaparecimentos.

Na segunda-feira (16/12), os integrantes da CNV participaram de uma reunião com representantes de comitês da Rede Brasil Memória, Verdade e Justiça, instalados em vários estados e municípios do Brasil. Na ocasião, os membros apresentaram a estrutura provisória do relatório final e receberam as contribuições dos comitês para o documento, que será entregue à Presidência da República para divulgação.

Entre os integrantes da CNV, Rosa Cardoso e Maria Rita Kehl apresentam uma postura favorável a recomendar uma revisão da legislação. “Nós ainda não a discutimos suficientemente. Eu tenho certeza de que eu e Rosa concordamos com essa proposta de revisão da Lei de Anistia nas recomendações, mas precisamos discutir com todos os membros da comissão para ter um consenso”, disse Maria Rita.

Na mesma linha, Rosa Cardoso defende que a comissão se posicione a respeito. “Que nós vamos adotar uma posição nas recomendações, é certo. O quanto comum será essa posição é que só uma discussão mais profunda e também uma interpretação do desejo da sociedade, à época em que for discutido isto, pode gerar uma posição do conjunto do colegiado”, disse Rosa Cardoso, para quem a pressão da sociedade vai ser determinante para a inclusão da recomendação no relatório.

Outros integrantes apresentam entendimento diferente. Em depoimento à Subcomissão da Memória, Verdade e Justiça no Senado, em novembro, o novo coordenador da CNV, Pedro Dallari, disse que ainda não era o momento de tratar da revisão da Lei de Anistia. “Sinto-me confortável para defender a revisão, mas isso não é papel da comissão. Temos que focar no trabalho da comissão, que é entregar o relatório”, disse.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos – que condenou o Brasil no caso Gomes Lund e outros, em 2010, responsabilizando o país pelo desaparecimento de 62 pessoas durante a Guerrilha do Araguaia – definiu também, na mesma sentença, que a Lei de Anistia é incompatível com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de San José, assinada em 1969 e ratificada pelo Brasil em 1992.

No mesmo ano, no entanto, o STF se pronunciou na ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 153, apresentado pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), contrariamente à revisão da Lei de Anistia, que a Corte considerou compatível com a Constituição de 1988. A ADPF pretendia anular o perdão aos representantes do Estado acusados de tortura durante o regime militar. O pedido foi julgado improcedente por 7 votos a 2.

A Comissão Nacional da Verdade deverá entregar até novembro o relatório circunstanciado contendo as atividades realizadas, os fatos examinados, as conclusões e as recomendações. Pela legislação que criou a comissão, o prazo final seria em maio de 2013, mas em junho os membros solicitaram à presidenta Dilma Rousseff a prorrogação dos trabalhos por seis meses.

“Já foi apresentado um primeiro esboço aos participantes desses comitês, mas também incorporamos e ouvimos muitas propostas para o relatório”, disse Rosa Cardoso. Segundo explicou, o relatório começa com uma análise da trajetória da comissão, dos antecedentes e dos conceitos do documento.

“Depois, nós contamos uma história onde o fio condutor é a questão da violência. Não é a questão econômica, é a violência praticada pelo Estado desde 1946 [período inicial de apuração da CNV], embora fosse uma democracia, mas foi uma democracia que conviveu com muita violência”, disse Rosa Cardoso.