Projeto que aumenta internação de adolescentes para dez anos pode levar ao caos, entende defensor público

Da Redação

Defensor Tiago GregórioO defensor público Tiago Gregório Fernandes (foto), da área da Infância e Juventude da Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO), afirma que os parlamentares, ao aprovarem no Senado, no dia 14 passado, o substitutivo ao Projeto de Lei (PLS) 333/2015, que aumenta para dez anos a internação em regime especial de crianças e jovens que teriam cometido infrações consideradas hediondas, não têm interesse real na recuperação dos adolescentes e que ou não conhecem o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ou conhecem e não se importam.  De acordo com o defensor, a medida, de autoria do senador José Serra (PSDB/SP), é uma amarração política com a bancada da bala, já que o projeto que diminui a maioridade penal, aprovado na Câmara Federal, pode ser vetado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por inconstitucionalidade. Tiago Gregório enfatiza que as consequências da aprovação do aumento do tempo de internação de três para dez anos serão desastrosas. O defensor apresenta alternativas viáveis para o atendimento e recuperação da criança e do adolescente em situação de vulnerabilidade. Confira a entrevista concedida ao Rota Jurídica:

No que consiste este substitutivo ao Projeto de Lei  333/2015?

Esse projeto é um paliativo, um meio termo para conciliar a posição da bancada da bala, que quer a redução da maioridade penal,  com aqueles que defendem alguns princípios estatutários. É um meio termo para aumentar o tempo da internação. Existe a interpretação de que o ECA não prevê pena e sim uma medida sócio educativa. Qual seria essa natureza jurídica deste instituto da internação? Eu particularmente entendo que é uma responsabilização tal como a pena, embora tenha esse viés educativo, de transformar o jovem. A ideia é que para os atos infracionais hediondos – homicídio, latrocínio, estupro -, equiparados aos crimes hediondos incorram numa internação de dez anos e não de três, como acontece.

Adianta criar outros projetos se não fizer funcionar o que já existe?

Se o Estado não consegue montar uma estrutura de Centro de Internação de baixa contenção, vamos dizer assim, imagine quanto mais um de alta contenção. Acho que esse projeto desvia o foco, que deve ser nas medidas sócioeducativas de meio aberto. O trabalho tem de ser no meio aberto – na liberdade assistida, na prestação de serviço à comunidade, na organização e estruturação dos Conselhos Tutelares , dos CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social). É no meio aberto que a gente trabalha a reinserção do adolescente, não na privação de liberdade.

A ideia de recuperação fica em segundo plano no projeto aprovado no Senado?

Fica em segundo plano. É claro que dentro do centro de internação continua a ideia de ter educação, profissionalização, mas de certa forma a própria Lei de Execução Penal prevê isso para os adultos e não funciona. Então, tempo de internação, tempo de prisão não recupera ninguém. O caminho é o meio aberto.

Esse projeto então não vai ajudar a recuperar o jovem? Ele pode sedimentar a situação em que o jovem se encontra?

Exatamente. Eu tenho uma reserva em relação ao tempo de internação, porque a juventude é muito rápida. Um ano pra uma criança de dois anos é 50% da vida dela. Um ano pra um adulto de 40 anos é 1/40 avos da vida dele. Então três anos pra um adolescente significa que ele vai perder a melhor fase da vida dele. Se é pra aumentar o tempo de internação então que a gente aprove logo de cara a prisão perpétua, internação perpétua ou a pena de morte. Porque daí você já isola e “resolve o problema”. Mas que a gente saiba que nossos filhos estarão sujeitos a isso – prisão perpétua e internação perpétua.

E como fica a socioeducação prevista pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)?

Se a ideia do ECA é socioeducar, o caminho é o meio aberto. E hoje, o meio aberto na Capital e no interior os Conselhos Tutelares estão caindo aos pedaços, o CREAS caindo aos pedaços. As estruturas dos CREAS não têm concurso público, são comissionados das prefeituras que mudam com os mandatos. Então não tem como fazer um projeto a longo prazo.

Defensor, ainda existe outro problema levantado constantemente pelo senhor que é a falta de estruturação do Plano de Acompanhamento Individual (PIA) destes adolescentes.

E quem elabora o PIA? Justamente o CREAS em auxílio do Conselho Tutelar, a rede de atendimento da Infância e Juventude, as políticas públicas municipais. O ECA é muito exigente no sentido de compartilhar com todos os entes federativos esta responsabilidade. Hoje o que aparece nos nossos processos é um PIA, que antes de ser um projeto, é um currículo, só uma folha que trás apenas os números de parentes que moram com a criança , o local onde ele está prestando serviço. Isso não é projeto. Projeto é o CREAS levar e fazer a matrícula num curso profissionalizante e apresentar outras propostas socioeducativas.

Este substitutivo ao projeto de Lei 333/2015, apresentado pelo Senador José Serra, demonstra que os políticos não sabem ou se sabem não se interessam pelo ECA?

Eu acredito muito na legislação do Estatuto da Criança e do Adolescente. É uma lei moderníssima, os países mais desenvolvidos caminham pra chegar ao nosso ECA. O Estatuto é considerado a legislação mais moderna no mundo em relação à matéria afeta à infância e juventude. Mas os políticos e o Brasil não enxergam a prioridade absoluta para a infância e juventude. Outro dia falei isso na Universidade Federal de Goiás (UFG), que as faculdades de Direito não trazem como matéria curricular obrigatória o ECA. Como se pode exigir prioridade se os políticos se quer estudaram isso nas próprias faculdades? Não há prioridade, basta visitar qualquer Conselho Tutelar.

Prova disso é que a denominação “menor” considerada discriminatória não é nem utilizada mais no ECA, que completou 25 anos, e os legisladores insistem em utilizá-la.

Chamar a criança de menor é estigmatizar o sujeito de direito em formação criança e adolescente.   O ECA em momento nenhum utiliza a expressão menor, não tem menor. Ao passo que outras leis, para se referirem à criança e ao adolescente, se utilizam de incapaz, menor. O Código Civil é assim, dá para se entender que o legislador não consegue enxergar a criança e o adolescente como sujeito de direito.

A medida seria mais uma busca de visibilidade ao apelo popular do que a preocupação com a criança?

Sim. É claro que existe a nossa solidariedade com a situação da vítima que perdeu um ente querido, que foi violentada. Mas, nós temos que pensar no futuro. Esse jovem em oito anos de qualquer forma vai sair da internação e poderemos ser vítimas novamente, se não houver uma preocupação para com a recuperação dele.

O projeto aprovado no Senado trás outros dois pontos. Um é a obrigatoriedade do acompanhamento do defensor público e o outro seria o endurecimento da pena em relação aos adultos que cometem crimes acompanhados de crianças.

A questão da defesa técnica já é prevista pelo ECA. Mas, o fato de aumentar o tempo de internação reforça a responsabilidade de uma sentença judicial que tenha de fato uma defesa técnica efetiva. Já vi casos no interior que ao saberem que o tempo de internação era de só seis meses, laçou-se um advogado no corredor para conduzir o processo. A gente fecha os olhos pra isso. Então, aumentando o tempo de internação reforça-se a necessidade da Defensoria Pública técnica efetiva no processo, ou até do advogado dativo. Mas sabemos que essa internação dos adolescentes é válida só para os pobres. O ponto válido é essa exasperação da pena em relação ao adulto que atrai esse adolescente para o mundo do ato infracional. Mas, a incoerência do projeto que prevê que o Estatuto vai socioeducar até os 26 anos é imensa. Veja só, o menino de 19 anos (chamo de menino) envolvido com a criminalidade convida um de 16 anos, ele vai ser alcançado pela lei que endurece a pena e ao mesmo tempo vai ser socioeducado já que o projeto prevê até aos 26 anos.   É muita falta de lógica.

Esse projeto então é uma costura política?

É uma costura política. Acho que tende a ser aprovado no Congresso, porque a redução da maioridade penal pode ser barrada no STF, por considerá-la Cláusula Pétria, ou em razão do Princípio da Vedação do Processo Social. Mas esse projeto é um paliativo que conta com o apoio dos Juízes e promotores de justiça da área da Infância e Juventude.

Quais as consequências deste projeto ?

O Estado de Goiás tem um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) firmado com o Ministério Público no sentido de reestruturar as unidades de internação. Esse TAC vem sendo postergado há seis ou sete anos. O TAC não deu conta da unidade de internação preconizada pelo ECA. Vamos dar conta de mais uma unidade de internação do regime especial de atendimento que tem de ter máxima contenção? Então a consequência é que o Estado não dá conta da demanda de vagas de internação atualmente, sabendo que há um rodízio de seis em seis meses e pelo menos em três anos o adolescente sai. Com o projeto ele vai ficar até dez anos. O que significa que não há vagas de internação hoje, quanto mais quando passar este projeto. Ou seja, tendemos ao caos.

 

O que a Defensoria Pública pode fazer quanto a isso?

Gostaria e solicitar mais nomeações de defensores públicos para o estado de Goiás. Acredito muito na instituição como mecanismo de solução de conflitos, na parte extrajudicial, na parte coletiva. No sentido de através da Defensoria, no viés que só ela enxerga, poder por meio de ações civis públicas cobrar a estruturação de CREAS, Conselhos Tutelares, questionar o PIA. Enxergo a instituição Defensoria como mecanismo de fiscalização dos instrumentos de justiça e de instrumentos de socieducação.