MPF denuncia militar reformado por crime praticado durante a Ditadura Militar

Era 17 de maio de 1973. Agentes da Ditadura Militar invadem uma fazenda localizada entre os municípios goianos de Rio Verde e Jataí. Os jovens Maria Augusta Thomaz e Márcio Beck Machado são mortos. Epaminondas Nascimentos, então delegado de polícia em Rio Verde, comparece ao local após o homicídio, e determina a ocultação dos cadáveres na própria fazenda. Pelo crime, após 40 anos do episódio, o Ministério Público Federal em Goiás move denúncia contra o militar reformado.

Entenda
Maria Augusta e Márcio Beck eram membros do Movimento de Libertação Popular, grupo armado de enfrentamento à Ditadura, inaugurada com o Golpe Militar de 1964. Os jovens haviam sido presos durante o 30º Congresso da União Nacional de Estudantes (UNE), em Ibiúna-SP, em 1968, e realizaram treinamento militar em Cuba no ano seguinte, retornando ao Brasil em 1971. Em 4 de maio de 1973, fugindo da repressão, mudaram-se para a Fazenda Rio Doce, no interior de Goiás. Após a prisão e tortura de dois militantes no DOI-CODI de São Paulo, o casal foi descoberto e assassinado dias depois de sua chegada na região.

Na época, o então delegado de polícia de Rio Verde, Epaminondas Pereira do Nascimento, compareceu ao local, determinando que o proprietário da fazenda e seus trabalhadores enterrassem os corpos dos jovens. Anos depois, em 31 de julho de 1980, quando iniciava a redemocratização do país, agentes da repressão compareceram à fazenda e ocultaram novamente os cadáveres, levando os restos mortais dos jovens para lugar incerto e não sabido.

As investigações iniciadas na Procuradoria da República no município de Rio Verde no início de 2013 buscou identificar a fazenda onde ocorreram os fatos, bem como duas testemunhas oculares dos crimes ocorridos no ano de 1973. Documentos colhidos durante a investigação e testemunhas ouvidas pelo Ministério Público Federal e pela Comissão Nacional da Verdade corroboraram que a ordem para a ocultação dos cadáveres partiu de Epaminondas Nascimento, razão pela qual o capitão reformado da PM goiana é denunciado, agora, em ação do Ministério Público Federal, pelo crime previsto no artigo 211, do Código Penal (ocultação de cadáver). Ouvido pelo Ministério Público Federal, o denunciado negou os fatos imputados na peça acusatória.

Na história
O caso havia sido arquivado em 1986, por entender que o crime encontrava-se prescrito. Consultados, a 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal e o Grupo de Trabalho Justiça de Transição, vinculado à 2ª CCR, entenderam que o arquivamento ocorrido em 1986 não alcança os atos consumativos posteriores à data do arquivamento, uma vez que o delito de ocultação de cadáver, previsto no artigo 211, do Código Penal, é crime permanente.  Ou seja, considerando que os cadáveres nunca foram localizados, o crime, iniciado na época da Ditadura Militar, está ocorrendo ainda hoje, razão pela qual é possível o oferecimento da denúncia, protocolizada em 19 de dezembro de 2013, perante a Subseção da Justiça Federal em Rio Verde.

De acordo com o procurador da República Wilson Rocha Assis, a denúncia proposta permitirá à sociedade e ao Poder Judiciário aprofundarem na discussão sobre a forma pela qual a sociedade brasileira deve se relacionar com o seu passado ditatorial.

Para o procurador da República, “a responsabilização penal dos agentes que praticaram crimes durante o regime ditatorial é um imperativo de justiça exigido pela Constituição da República de 1988, bem como por tratados internacionais subscritos pelo Brasil. Revisitando seu passado e punindo os agentes responsáveis por graves violações aos direitos humanos, o Brasil cumprirá a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, seguindo o bom exemplo de outros países do Cone Sul”.