A juíza Isabella Luiza Alonso Bittencourt, titular da 1ª Vara Judicial de Cidade Ocidental, indeferiu o pedido de anulação de casamento feito por um homem que alegou ter sido enganado ao se casar com uma mulher que, segundo ele, escondia problemas psiquiátricos. O casamento ocorreu em meados de 2024, e o pedido de anulação foi negado sob o entendimento de que não foram preenchidos os requisitos estabelecidos pelo Código Civil para tal concessão. Apesar disso, a magistrado decretou o divórcio do casal.
O marido argumentou que desconhecia a condição de saúde da esposa e que sua convivência se tornou insustentável duas semanas após o matrimônio, quando ela começou a apresentar comportamentos que ele descreveu como episódios maníacos, disforia, irritabilidade, agressividade e delírios. Em um dos relatos anexados ao processo, ele afirmou que a esposa chegou a ter um surto psicótico durante a madrugada, agredindo uma vizinha e descartando no lixo todos os objetos vermelhos da residência, sob a justificativa de que ouviu vozes proibindo a presença dessa cor.
Fundamentos da decisão
Na ação, o homem argumentou que seu caso se enquadrava no chamado “erro essencial”, previsto no Código Civil, que permite a anulação do casamento quando um dos cônjuges desconhece uma condição do outro que comprometa a relação. No entanto, ao analisar as provas, a juíza entendeu que não estavam presentes os requisitos para a concessão do pedido.
Conforme destacou a magistrada, depoimentos e documentos anexados ao processo indicaram que as famílias do casal já se conheciam há anos e que o próprio autor da ação era compadre da mãe da esposa. Além disso, ele admitiu que sabia que a companheira fazia uso de medicamentos, embora tenha alegado desconhecer a finalidade dos mesmos. Testemunhas relataram, ainda, que o casal costumava ir junto buscar a medicação, o que reforça a tese de que o marido tinha ciência do tratamento médico da esposa antes do casamento.
Diante desse contexto, a juíza considerou que não havia comprovação de que o homem só descobriu a condição da esposa após a celebração do matrimônio, circunstância essencial para o deferimento do pedido de anulação, conforme previsto no Código Civil.
Análise sob a perspectiva de gênero
Além dos aspectos jurídicos, a magistrada destacou a importância de analisar a questão sob a ótica do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, instrumento que visa combater desigualdades estruturais que afetam especialmente as mulheres. Segundo Isabella Alonso, a aplicação dessa perspectiva no caso é essencial para promover uma decisão mais equitativa, considerando não apenas a igualdade formal, mas também as barreiras culturais e sociais que podem influenciar o tratamento das mulheres no âmbito jurídico.
“Sabe-se que, historicamente, muitos homens foram criados para buscar mulheres que se encaixassem em padrões idealizados, tais como beleza impecável, submissão, habilidades domésticas e maternas, caráter irrepreensível, de modo que, com a convivência, ao se depararem com mulheres ‘reais’ com desejos, limitações e personalidade própria, poderiam se sentir enganados ou decepcionados, gerando, em algumas oportunidades, pedidos como a presente demanda”, pontuou a magistrada.
Crítica ao machismo estrutural
A juíza também criticou a perpetuação do machismo estrutural no ordenamento jurídico e defendeu uma visão mais igualitária sobre o casamento, que considere o respeito e a individualidade dos cônjuges.
“É inequívoco que o machismo estrutural continua presente em nosso ordenamento jurídico, sendo essencial que a concepção do casamento se transforme em um modelo mais inclusivo e humano, fundamentado na igualdade, no respeito, deixando para trás ideais ultrapassados e excludentes, mormente considerando que a mulher não deve ser vista como um objeto nas relações e também que seu valor não deve ser medido com base em sua capacidade de atender as necessidades do marido”, concluiu.