Especialistas criticam MP de Bolsonaro que adia LGPD para maio de 2021

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A medida provisória assinada nesta quarta-feira (29/4) pelo presidente Jair Bolsonaro, que adia para 3 de maio de 2021 a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados, provocou reações negativas por parte de especialistas no tema. Sobretudo porque já há um projeto de lei em estágio avançado no Congresso que prorroga para janeiro de 2021 o início da vigência da LGPD. A legislação deveria entrar em vigor em agosto deste ano.

A advogada Luiza Sato, sócia responsável pela área de Proteção de Dados, Direito Digital e Propriedade Intelectual do ASBZ Advogados, afirma que a MP surge com uma série de polêmicas, como a inexistência da urgência que justificasse a prorrogação da LGPD via medida provisória, bem como a falta de justificativa para a data de 3 de maio de 2021. “Medidas Provisórias vigoram por 60 dias renováveis por mais 60 dias. Há uma discussão hoje sobre o Ato Conjunto das mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal nº 1/2020, que dispõe sobre o prazo de 16 dias para apreciação pelo Congresso de MPs na atual situação de pandemia. Entretanto, tal prazo é instrutivo para as duas Casas, e não se sobrepõe ao prazo constitucional dos 120 dias. Assim, caso a MP nº 959/2020 não seja aprovada pelo Congresso até o fim de agosto, ela caducará e, se não for aprovado qualquer dos projetos de lei hoje em discussão sobre a prorrogação da LGPD, ela entrará em vigor automaticamente”, destaca.

Há, no momento, três projetos de lei que prorrogam para diferentes datas a entrada em vigor da LGPD. Uma já aprovada no Senado (PL 1179/2020) adia a nova lei para janeiro de 2021, com penalidades aplicáveis somente em agosto de 2021. Nesta quarta (29/4), a Câmara aprovou a urgência na tramitação desse projeto. Na Câmara há outro projeto (PL 5762/2019) que adia a entrada em vigor da LGPD para agosto de 2022 e no Senado outra proposta (PL 1027/2020) que adia para fevereiro de 2022.

“Não está fácil entender a atual situação, fazer previsões sobre a efetiva data de eficácia da LGPD e, imagine só, explicar todo esse cenário para os clientes estrangeiros, com pouca noção sobre a confusão legislativa do Brasil”, ressalta Luiza Sato.

Para Gustavo Artese, sócio do Viseu Advogados e especialista em Direito Digital e Proteção de Dados Pessoais, o governo estava ciente dos projetos em andamento no Congresso quando decidiu editar a medida provisória e isso poderá trazer problemas na relação entre Executivo e Legislativo. “Bolsonaro usou a caneta Bic para aprovar a MP que adia a vigência da LGPD. E o fez ciente da iniciativa do Congresso Nacional em outro sentido, também de adiamento, mas com outra configuração. A ação terá reflexos. Diante do atual estado das relações entre Congresso e Executivo, a tendência é que a MP não sobreviva. A situação gera ainda mais insegurança para o marco legal da proteção de dados brasileiro”, alerta Artese.

“Tendo em vista que a MP 959/2020 ainda precisa da apreciação pelo Congresso, a matéria poderá ser aprovada, sofrer alterações ou ainda ser completamente rejeitada, logo, a regra prevista pelo PL 1179/2020, passando pela Câmara, ainda pode prevalecer, de maneira que todas as obrigações previstas na LGPD passarão a ser exigíveis a partir de 1º de janeiro de 2021”, explica.

Na avaliação do advogado Marcelo Augusto Spinel de Souza Cárgano, sócio do escritório Abe Giovanini Advogados, a MP assinada por Bolsonaro reflete a indiferença com que o governo federal trata o assunto. “Embora decepcionante, não chega a ser surpreendente esta nova canetada do presidente Jair Bolsonaro, comprovando a pouca importância que este governo dá à privacidade e à proteção de dados do cidadão. Trata-se do mesmo governo que já atrasava há mais de um ano a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, a ANPD, que seria o órgão responsável por regulamentar a LGPD a fiscalizar seu cumprimento e sem a qual a LGPD já estava um pouco ‘capenga’. Na verdade, como o argumento mais forte em prol deste adiamento era justamente o atraso na criação da ANPD, o governo atesta sua própria irresponsabilidade com essa MP. O pior é que uma lei que regule o uso de dados pessoais nunca foi tão importante quanto agora, quando o Estado vigia excepcionalmente seus cidadãos por meio de celulares e drones no combate à pandemia”, afirma.

A opinião é compartilhada pelo professor da Faculdade de Direito da USP e diretor do Instituto LGPD – Legal Grounds for Privacy Design, Juliano Maranhão. “O adiamento da LGPD causa insegurança jurídica e prejudica o país em um momento delicado no qual dados pessoais são processados para a implementação de políticas públicas de saúde. É uma ilusão considerar que o seu adiamento trará conforto ou benefícios ao mercado ou ao governo”, reforça.