Ela não tem culpa: TJGO reforma decisão que responsabilizava vítima por violência doméstica

Um caso de violência doméstica registrado em Pontalina, no interior de Goiás, que exemplifica a frequente culpabilização da mulher vítima, teve sua decisão reformada pelo Tribunal de Justiça de Goiás após apelação apresentada pela Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO). A mudança na decisão reforça o entendimento de que a vítima nunca é culpada pelas agressões sofridas.

No relato da vítima, ela conta que a busca por Justiça foi marcada pela sensação de descaso e revitimização. “Quando busquei a Justiça para que medidas protetivas fossem tomadas, não esperava que me sentiria tão mal. No dia da audiência de instrução, foi péssimo, porque justamente onde eu esperava ser acolhida, onde esperava imparcialidade na busca por direitos, fui recebida com descaso, sendo novamente revitimizada”, conta.

A decisão de primeira instância atribuía à vítima a culpa pelas agressões sofridas, justificando que o reatamento do relacionamento com o agressor contribuía para a situação. O juízo afirmou que o casal deveria buscar ajuda psicológica, desconsiderando que o ciclo da violência doméstica é uma constante nos relacionamentos abusivos e ignorando o impacto do caso, inclusive para o filho de apenas 5 anos, que presenciou uma das agressões.

A defensora pública Tatiana Bronzato, coordenadora do Núcleo Especializado de Defesa e Promoção dos Direitos da Mulher (Nudem) da DPE-GO, destacou na apelação endereçada ao Tribunal de Justiça de Goiás a importância de observar as dinâmicas do ciclo de violência. “É sabido que o chamado ciclo da violência é uma constante nos relacionamentos abusivos. Após a agressão, o autor promete mudanças e, na fase de ‘lua de mel’, tenta reconciliar-se, o que frequentemente leva a reatamentos sem que o risco de novas violências seja eliminado”, explicou.

A defensora também argumentou que a decisão inicial perpetuava estereótipos de gênero, ignorando as desigualdades estruturais que sustentam a violência contra a mulher. Bronzato enfatizou a necessidade de aplicar o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, previsto na Resolução nº 492 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para evitar a revitimização de mulheres nos processos judiciais.

A apelação da defensora pública resultou na reforma da decisão, que reconheceu a responsabilidade do agressor pelos atos de violência. Esse desfecho é um marco importante na luta contra a culpabilização das vítimas e no enfrentamento da violência de gênero.

“Hoje, me sinto aliviada em saber que a Justiça reconheceu o caso e que, na verdade, não era a minha culpa”, relata a mulher.

A reforma da decisão pelo TJGO ocorre durante a campanha “Ela Não Tem Culpa: 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência Contra a Mulher”, promovida pela DPE-GO. O caso reforça, segundo a Defensoria, a necessidade de ações contínuas para combater a revitimização e garantir que a perspectiva de gênero seja aplicada em todas as etapas do sistema de Justiça. Com informações da DPE-GO