Devido o amadurecimento precoce dos jovens, magistrada entende que sexo consensual com menina de 13 anos não configura crime de estupro

Wanessa Rodrigues

Um rapaz acusado de estuprar uma menina de 13 anos foi absolvido por não ter sido configurada a vulnerabilidade da ofendida, elemento normativo caracterizador do crime de estupro de vulnerável. Isso porque, teria sido comprovado nos autos que o sexo foi consentido, não havendo, nesse caso, lesão ou ameaça à formação moral da menor, nem ofensa à sua dignidade sexual. A decisão é da juíza Placidina Pires, da 10ª Vara Criminal de Goiânia.

A juíza da 10ª Vara Criminal de Goiânia
A juíza da 10ª Vara Criminal de Goiânia, Placidina Pires, entende que é preciso reavaliar o grau de vulnerabilidade dos menores

Consta no processo que o rapaz manteve relações sexuais com a vítima, então menor de 14 anos. Porém, de acordo com a magistrada, as declarações desta e da testemunha ouvida na fase administrativa não revelam qualquer indício de dissimulação, demonstrando que houve consentimento e espontaneidade por parte da ofendida, a qual já não era mais virgem em decorrência de uma relação afetiva anterior. Conforme a prova produzida, o acusado e a vítima mantiveram um relacionamento amoroso escondido, por cerca de um mês.

Ao analisar o caso, a magistrada explica que a partir da Lei 12.015/09, a idade da vítima passou a constituir elemento normativo do tipo penal e não pressuposto para a configuração da presunção de violência supracitada. Porém, Placidina diz entender que, mesmo após o advento da norma, continua viável ao intérprete da lei penal realizar uma avaliação casuística do grau de vulnerabilidade dos menores de 14 anos, para aferir a sua capacidade de consentimento com o ato sexual.

Placidina entende que é possível ao magistrado, em se tratando de maior de 12 anos e menor de 14 anos, analisar outros aspectos, que não somente os elementos normativos do tipo penal. Para, assim, aquilatar a possível ofensa à dignidade sexual da vítima, mormente nos casos de relacionamentos entre jovens, quando então deverá sopesar por exemplo o nível de maturidade e a eventual experiência sexual vivenciada anteriormente.

A magistrada diz que, de fato, numa sociedade moderna, com o amadurecimento precoce dos jovens, resultante do maior acesso às informações de massa e ao conhecimento, inclusive de temas relacionados à sexualidade, que não são mais vistos como tabu, não se mostra razoável desconsiderar as particularidades de cada caso concreto. E nem partir de uma premissa absoluta de que o menor de 14 anos, tão somente em função de sua idade cronológica, não possui capacidade suficiente para consentir com a prática do ato sexual.

Conforme observa, injustiças imensuráveis poderão ser cometidas sob o manto da proteção da dignidade sexual dessas pessoas, consideradas física, biológica, social e psiquicamente fragilizadas. Isso caso o julgador considere para configuração da violência sexual tão somente os elementos objetivos do tipo penal e repute como critério absoluto da vulnerabilidade a idade cronológica da pessoa ofendida.

Nova reflexão
Placidina diz que o entendimento recente, assentado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), de que para a caracterização do crime de estupro de vulnerável previsto no artigo 217-A, caput, do Código Penal, “basta que o agente tenha conjunção carnal ou pratique qualquer ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos” e que o “consentimento da vítima, sua eventual experiência sexual anterior ou a existência de relacionamento amoroso entre o agente e a vítima não afastam a ocorrência do crime”, precisa passar por nova reflexão. Para permitir ao julgador a análise das peculiaridades de cada caso concreto, mormente daqueles que envolvam jovens casais de namorados.

Para a magistrada, não parece adequada e nem constitucional a fundamentação inflexível, baseada em proteção que, em vez de proteger, desprotege e desampara quem merece proteção integral do Estado. Permitindo, assim, uma interferência desnecessária e desproporcional do Direito Penal nas deliberações tomadas no seio das famílias regularmente constituídas.

“O intérprete da lei não pode ser cego a ponto de não enxergar a realidade circundante, pois é função do julgador manter o equilíbrio e a paz social, aplicando a lei com vista a garantir a segurança, mas também assegurar o bem-estar, a tranquilidade e a harmonia da comunidade em que se encontra inserido”, completa.

Outros países

A magistrada também destaca que alguns países também tem abordado de forma semelhante os casos de sexo consensual entre menores. Segundo ela, nos Estados Unidos, o problema do sexo consentido entre adolescentes, foi resolvido com o estabelecimento da exceção “Romeo and Juliet Law”. “Inspirada nos célebres amantes juvenis imortalizados por Willian Shakespeare, hipótese em que é afastada a presunção de violência quando a diferença de idade entre os protagonistas do ato sexual seja igual ou menor de 05 anos, pois consideram que ambos estariam no mesmo momento de descoberta da sexualidade. Nesses casos, não há crime”, diz.

De igual forma, segundo ela, o direito italiano possui previsão semelhante, não punindo o ato sexual realizado entre menores, se a diferença de idade entre eles for de até três anos de idade. Para as hipóteses em que a diferença de idade é um pouco maior (casos menos graves), foi estabelecida uma causa de diminuição de pena de até dois terços.

Vulnerabilidade relativa
Nessa linha de entendimento, analisando as peculiaridades do caso concreto,  magistrada diz a vulnerabilidade, na espécie, é relativa, porquanto a vítima tinha 13 anos de idade ao tempo do fato, e mantinha relacionamento afetivo com o agente, além de que possuía discernimento mínimo para a relação sexual, vez que já não era mais virgem e admitiu ter mantido outro relacionamento amoroso anteriormente. Além disso, após os fatos em apuração, a ofendida engravidou de outro indivíduo, e passou a viver em união estável com este, conforme esclarecido pelo réu em seu interrogatório.

O processo corre em Segredo de Justiça e, por isso, os nomes das partes foram preservados, assim como o relatório. Confira a fundamentação da juíza.