O Estado e a sanha arrecadatória

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    O Estado e a sanha arrecadatória

    O constitucionalismo é o movimento que, limitando as investidas do Estado contra os seus cidadãos, cria mecanismos de barreira no próprio corpo da Constituição para que aqueles que atuam em nome do Estado não se valham das prerrogativas de Estado para causar prejuízos às liberdades individuais e ao patrimônio dos cidadãos.

    Como corolário do constitucionalismo estão o direito ao contraditório e à ampla defesa nos processos judiciais e administrativos.

    Ocorre que, mesmo com mecanismos formais garantidores desses direitos, muitas vezes o Estado e seus agentes encontram “saídas” para burlar o devido processo, seja administrativo, seja judicial, visando, descaradamente, atingir o que Renato Alessi nominou de interesse público secundário.

    Por interesse público primário pode-se entender, dos textos do professor italiano, àqueles destinados à satisfação dos direitos e interesses dos cidadãos resguardados pela Constituição da República, conquanto, por interesse público secundário entende-se, por exemplo o interesse arrecadatório do Estado que, seja como for, possui como target declarado o incremento do volume em seus cofres.

    Pode-se vislumbrar, como exemplo de um Estado que prima pelo interesse público secundário – expropriar patrimônio privado em nome de um pretenso “interesse público” – àquela que, fazendo tábula rasa dos direitos dos cidadãos, cria obstáculos artificiais para atingir direitos e patrimônio dos súditos.

    Imagine-se, apenas como exemplo, uma autuação administrativa da Secretaria Regional do Trabalho de determinado Estado da Federação. A pessoa jurídica autuada possui do direito, garantido na Constituição da República e nas regras infraconstitucionais de manejar recurso administrativo contra a autuação, recursos esses que independem de custas.

    Quando a Secretaria Regional do Trabalho impõe obstáculos ao conhecimento de recurso, como por exemplo, sua rejeição de plano, pois foi juntada uma procuração sem os dados da pessoa física que a assinou, mesmo tendo sido juntado o contrato social da empresa, no qual possui os referidos dados, está-se diante de claríssimo desvio de finalidade por parte da Secretaria Regional do Trabalho.

    Basta para tanto sondar as razões de fundo para essa possível “decisão”.

    A empresa que teve seu recurso rejeitado ou não conhecido de plano, caso tenha interesse em recorrer administrativamente desta decisão, perderá o “direito” de pagar “voluntariamente” a multa que lhe foi imposta com desconto de 50% – existe desconto de cinquenta por cento ou isso é um mecanismo legal (ou ilegal?) para fomentar a não utilização pelos cidadãos de seus direitos constitucionais? -, desconto esse previsto, inclusive na CLT, ainda que de violação ao princípio da proporcionalidade flagrante.

    O Estado que deveria garantir os direitos das pessoas (físicas ou jurídicas) busca o lucro a qualquer preço, deixando de lado os princípios basilares da Constituição.  

    *LUDMILLA ROCHA CUNHA RIBEIRO, Advogada, Gerente Jurídica da Quick-Logística, pós-graduada em Direito Público, Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, L.LM em Direito Empresarial pela FGV (em curso).