Acórdão do STJ privilegia o princípio da manutenção da atividade

    0

    Após quase 13 (treze) anos de vigência da Lei de Falências  e Recuperação de Empresas, de número 11.101/05, poder-se-ia imaginar que todas as questões referentes à interpretação deste Instituto jurídico já fariam parte da literatura respectiva, pois o STJ, na visão dos juristas e doutrinadores, já teria enfrentado todas as possíveis situações de interpretação. Ledo engano! Eis que o mundo jurídico foi agora surpreendido por um Acórdão do STJ, no  REsp 1337989,  onde o eminente Ministro Relator, Luis Felipe Salomão, em interpretação dita por ele de teológica e finalística da Legislação de regência, inova a jurisprudência até então dominante, ao admitir uma nova forma de aprovação do plano de recuperação judicial.

    É que  Lei 11.101/05, em seu artigo 45, preconiza que “Nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial, todas as classes de credores referidas no art. 41 desta Lei deverão aprovar a proposta“. Nada obstante esta rigidez apresentada pela Lei neste artigo 45, o legislador amenizou tal rigor ao prever no Parágrafo Primeiro do Artigo 58, que “O juiz poderá conceder a recuperação judicial com base em plano que não obteve aprovação na forma do art. 45 desta Lei, desde que, na mesma assembléia, tenha obtido, de forma cumulativa: I – o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembléia, independentemente de classes;  II – a aprovação de 2 (duas) das classes de credores nos termos do art. 45 desta Lei ou, caso haja somente 2 (duas) classes      com credores votantes, a aprovação de pelo menos 1 (uma) delas;III – na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de mais de 1/3 (um terço) dos credores, computados na forma dos §§ 1o e 2o do art. 45 desta Lei”.  E complementa no § 2o deste mesmo artigo: “A recuperação judicial somente poderá ser concedida com base no § 1o deste artigo se o plano não implicar tratamento diferenciado entre os credores da classe que o houver rejeitado”. (grifamos).

    Como vimos, em princípio só se pode aprovar o plano de recuperação judicial se todas as classes de credores aprovarem a proposta; mais à frente, no chamado cram down (uma condição que se atingida permite ao juiz conceder a recuperação judicial), a Lei já é mais branda e permite-se uma outra forma de aprovação do plano, mas desde que naquela classe de credores que não o tenha aprovado, haja a concordância de pelo menos um terço dos votos. Todavia, com o objetivo de preservar a empresa, manter os empregos e garantir os créditos, é permitido ao magistrado aprovar o plano de recuperação judicial.

    O entendimento ora sob análise foi fixado pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao manter acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que confirmou a aprovação de plano de recuperação judicial mesmo após ele ter sido rejeitado por uma das três classes de credores. Apesar da rejeição quantitativa (por cabeça, sem considerar o valor do crédito), o juiz da recuperação aprovou o plano com base na concordância de boa parte dos credores das demais classes e, mesmo no grupo que rejeitou a recuperação, considerou que o credor que aprovou o plano representava mais de 97% do total de créditos da classe. Justifica o eminente Ministro Relator: “De fato, a mantença de empresa ainda recuperável deve se sobrepor aos interesses de um ou poucos credores divergentes, ainda mais quando sem amparo de fundamento plausível, deixando a realidade se limitar à fria análise de um quórum alternativo, com critério complexo de funcionamento, em detrimento da efetiva possibilidade de recuperação da empresa e, pior, com prejuízos aos demais credores favoráveis ao plano”, afirmou o relator do recurso especial, ministro Luis Felipe Salomão (grifamos).

    Por óbvio, que  no presente caso, houve determinada peculiaridade que levou o nobre Ministro Relator a interpretar como o fez, ou seja, no caso em análise, dos três credores com garantia real, apenas um deles aprovou o plano de recuperação – um terço, portanto, e não “mais de um terço”, como exige o inciso III.  No entanto, o plano de recuperação foi aprovado por dois dos três credores quirografários presentes e pela totalidade dos credores trabalhistas que participaram da assembleia, cumprindo os outros dois requisitos para o cram down.

    Apesar de não estar preenchido um dos requisitos legais, o magistrado aprovou o plano com base, além da possibilidade de preservação da empresa, no fato de que o credor com garantia real que aprovou o plano representava mais de 97% do total de créditos da classe.

    Por meio de recurso especial, o Recorrente alegou que o pedido de recuperação não poderia sequer ter sido conhecido, em razão do não preenchimento dos requisitos legais para o cram down. Além disso, para o recorrente, o juízo não deveria ter considerado apenas o valor dos créditos em detrimento da quantidade de credores.

    Ora, a nosso ver, com toda razão o Ínclito Ministro Luis Felipe Salomão, vez que, na sua ótica, a empresa era recuperável, e daí, adequar-se aos rigores da legislação, os fundamentos dos princípios que precederam a confecção da Le número  11.101/05, ou seja, o primeiro deles – o da continuidade da atividade. É inovadora, sim, tal decisão.  Porém, demonstra o espírito da Egrégia 4a Turma Julgadora do STJ, que decide por manter no mercado uma empresa recuperável, e que, com certeza, vai cumprir todos os requisitos no artigo 47 da Lei de regência..

    *Renaldo Limiro é advogado especialista em recuperação judicial. Autor das obras A Recuperação Judicial Comentada Artigo por Artigo, Ed. Delrey; A Recuperação Judicial, a Nova Lei…, AB Editora; e, Manual do Supersimples, com Alexandre Limiro, Ed. Juruá. É membro da ACAD – Academia Goiana de Direito. É atual vice-presidente da Acieg. Mantém o site www.recuperacaojudiciallimiro.com.br