“Viver pouco como um rei, ou muito como um Zé”

Rufem os tambores, peguem as espadas e armaduras, tragam as correntes e os guilhões  pois os calabouços da idade média ressurgiram no século XXI.

É sabido por todos que o sistema carcerário está falido. Não há política pública para solucionar o problema. Não há assistência social para os jovens em situação de risco e os presídios não são feitos para ressocializar. São “depósitos de gente e faculdade de crimes”.

Na cabeça de muitos jovens que sentem na pele a fome e a dor da violência, da discriminação, dos tapas no “baculejo”  o texto de autoajuda  é o refrão da música dos Racionais MC’s:  “Viver pouco como um rei, ou muito como um  Zé”.

Mas, hoje, quero falar de um jovem, nem rei e nem “Zé”.  Um jovem, que após sofrer as mazelas da miséria e do vício, caiu no erro e no desespero e roubou 50,00.

Esse jovem cumpria sua pena no regime aberto na casa do Albergado e exatamente hoje, dia 19 de dezembro de 2014, conseguiria sua liberdade condicional. Sairia pelo portão da frente!

Mas isso não aconteceu. Ele foi levado em um acordo de “compadres” para o Núcleo de  Custódia.
E, por ironia, a justificativa da direção basea-se na Portaria de nº 023/2014 de 17.01.2014.

No entanto, a direção se contradiz , e as atitudes tomadas não condizem até mesmo com o que está escrito no próprio regimento interno de numeração citada acima:

ARTIGO 1º  do CAPÍTULO I:
O Núcleo de Custódia, unidade prisional de segurança máxima, localizado no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia-GO, integra a Secretaria de Estado da Administração Penitenciária e Justiça de Goiás.
Paragráfo ùnico: O Núcleo de Custódia destina-se aos presos provisórios e condenados sujeitos às condições de segurança máxima, assimo como os incluídos no regime disciplinar diferenciado, nos termos do art. 52, da Lei de Execução Penal (LEP).

ARTIGO 6º do CAPÍTULO I
Cabe ao diretor do Núcleo de Custódia comunicar a inclusão do preso, com as respectivas justificativas à Vara da Execução Penal de Goiânia (4ª Vara Criminal) em, no máximo, 48 horas.

ARTIGO 7º  § 1º CAPÍTULO II
Dar-se-á inclusão e permanência do preso no Núcleo de Custódia após a autorização do juízo da comarca de origem e a expressa indicação da viabilidade técnica e operacional pela Comissão de Segurança Prisional (CSP), notadamente quanto à existência de vaga e ao cumprimento das exigências previstas neste  regimento.
Parágrafo 1º – O diretor do Núcleo de Custódia deverá ser comunicado com antecedência mínima de três dias, sendo vedada a inclusão de prso aos finais de semana e feriados, salvo se houver autorização expressa da CSP.

Vítor da Silva Garcia foi tranferido em uma sexta-feira, portanto final de semana.
 
O juízo de execução foi devidamente avisado?  Então concordou com isso?

E o principal:
ARTIGO 9º INCISOS I AO IV CAPÍTULO IV

Vitor não se enquadrava sequer nos requisitos da Portaria do próprio Núcleo de Custódia.

Não cometeu crime hediondo, não era perigoso e não tinha várias faltas graves, se assim realmente fosse, ele não estaria no regime aberto. E mais, os incisos são cumulativos.
 
Não. O Núcleo de Custódia não era o lugar de Vitor.

Penso, o que esse jovem passou na casa do Albergado antes de ir para o Núcleo de Custódia?

Porque a família não pôde reconhecer o corpo no IML?  Qual o tamanho do seu desespero e angústia para atentar contra a própria vida?

O diretor deste estabelecimento não poderia ter concordado em receber tal reeducando.  Bom senso seria o mínimo a ser esperado.

O promotor de justiça, Drº Haroldo Caetano, pediu o afastamento dos diretores da Casa do Albergado e do Núcleo de Custódia, mas nada foi feito até o momento.

Então aquele lugar agora virou lugar de vingança pessoal quando algum agente se sentir contrariado?

Não. Isso não pode ser aceito.

Respeito muito a profissão dos agentes prisionais. Tenho amigos nessa área e sei o quanto é uma profissão árdua, mas os maus profissionais infelizmente se esquecem o por que verdadeiramente estão ali.

Diante das circunstâncias, me vem ao pensamento um outro fator:  O que leva uma pessoa a prestar um concurso público? O dinheiro? A estabilidade?  Mas e a aptidão profissional? O dom? o sonho?
Uma pessoa que não gosta de criança não pode prestar concurso para ser educadora da rede pública. Se uma pessoa não suporta o cheiro do caminhão de lixo não pode prestar concurso para Gari, se uma pessoa não suporta ver sangue jamais poderá fazer medicina. Então eu pergunto, porque vemos tantas pessoas prestando concurso para ser agente prisional sendo que simplesmente odeiam todo reeducando, simplesmente desprezam os familiares dos presos, muitas vezes desprezam e maltratam idosas sofridas e calejadas e tratam as “mãezinhas” como procriadoras de bandido? Por que?

A mãe de Vitor é uma senhora religiosa, que luta contra as dificuldades da vida.  Faz sabão caseiro e artesanatos para sobreviver e tem uma pequena igreja no quintal da própria casa.

Com lágrimas nos olhos, os familiares contam que já tinham arrumado um emprego em um supermercado para o Vitor, que estavam contando os dias para que  ele assinasse sua Liberdade Condicional.  No entanto, neste momento sua mãe não consegue conter suas lágrimas e diz:
“Meu filho morreu com fome”
.
Vitor foi visto pelos familiares apenas no caixão extremamente magro. Não foi permitido o reconhecimento do corpo no IML. Um verdadeiro absurdo.

A família não foi sequer informada de seu falecimento, assim como se noticia a morte de um animal. A esposa, no dia 1º de dezembro, recebeu a notícia por telefone de algum agente do Núcleo de Custódia sobre a morte de Vitor. E essa notícia foi recebida por acaso, pois ela teria descoberto por alguém que seu marido estaria no Núcleo de Custódia e ligou lá para saber se podia levar roupas e alimentos para ele.

O Núcleo de Custódia em Aparecida de Goiânia, virou masmorra, calabouço.  Não há lei ali. Não há LEP (Lei de Execuções Penais). Existe apenas a própria “lei” onde suas Portarias e Regimento Interno estão acima de tudo.  

Ali virou o “quintal”, o castigo particular de alguns. E pior, com a omissão da VEP, do Conselho de Segurança. A OAB precisa ser alertada, pois quase todos os dias os advogados criminalistas têm suas prerrogativas desrespeitadas. Mas acredito que reclamar não adianta mais.

Mão de ferro para o Vitor da Silva e mão de merda para os corruptos da “panelinha”.

A certeza de ser punido é que deve desviar o homem do crime, e não mais o abominável espetáculo que em linguagem atual se traduz em “bandido bom é bandido morto”.

O art. 37, 6 º, da CF, estabelece expressamente que o Estado responde de forma objetiva pelos danos causados aos administrados por atos dos agentes públicos. Segundo a doutrina que cuida da responsabilidade do Estado, os atos podem ser praticados por ação ou omissão. O mesmo ocorre com os detentos que se encontram no Sistema Penitenciário pertencente à União ou aos Estados-membros da Federação. O infrator deve pagar pelo dano que ocasionou a sociedade e em especial a vítima. No entanto, o rigor na execução da pena não significa que os detentos possam ser tratados como animais, ou fiquem sujeitos a sua própria sorte, como vem ocorrendo. O que acontece com um detento no interior de uma Delegacia de Polícia, Cadeia Pública, Penitenciária, Colônia Penal Agrícola, ou qualquer outra unidade integrante do Sistema Prisional é de responsabilidade do Estado, União, ou Estados-membros, que devem responder de forma objetiva por sua omissão, que ocasionou qualquer ameaça ou lesão de qualquer reeducando.

Assim, como o Direito cumpriu seu papel ao punir, o Direito, através de seus magistrados, promotoria e demais funcionários públicos, devem fazer com que o Direito também cumpra seu papel ao proteger, e essa proteção se estende, SIM, aos próprios apenados,  e esta garantia legal preceitua-se na Lei Ordinária, na Lei Especial e principalmente nos Tratados Internacionais a qual este país é consignatário e não em algumas “Portarias”.

Abaixo ao totalitarismo e corporativismo. Em Rio Verde, por causa de algumas garrafas de bebidas e uma foto na internet, a Sapejus afastou três agentes prisionais da CPP de Rio Verde. E aqui? O que será feito?

Que tudo isso sirva de reflexão.

Às autoridades, pedimos justiça!

*Amanda Alves  (OAB/GO 35227) e Uberth Cordeiro (OAB/GO 30202) são advogados da família do reeducando