Um 1º de maio singular

*Priscila Salamoni e Karine Domingues

O dia 1º de maio é consagrado como dia do trabalho ou do trabalhador. A data é um marco de lutas por melhores condições de trabalho desde 1886, quando milhares de trabalhadores foram às ruas de Chicago (EUA) reivindicar, em especial, a redução da jornada laboral, que era de aproximadamente 16 (dezesseis) horas diárias, manifestação que foi marcada por atos de violência e culminou até mesmo na morte de alguns trabalhadores.

No Brasil, a data foi utilizada como marco para materialização de grandes conquistas trabalhistas, como a instituição do salário mínimo, ao 1º de maio de 1940, a criação da justiça do trabalho, ao 1º de maio de 1941 e a publicação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), ao 1º de maio de 1943.

A partir dessas conquistas e, na medida em que outras foram agregadas aos trabalhadores, o direito do trabalho ganhou destaque no cenário nacional, visto que é matéria de interesse de todos os cidadãos e que atinge a todos, já que o trabalho é o grande sustentáculo do sistema capitalista.

Neste ano de 2020, especialmente, a matéria trabalhista protagonizou as primeiras alterações do ordenamento jurídico advindas em razão da pandemia do COVID-19, e passou a estar na ordem do dia nos pronunciamentos oficiais, na imprensa, nas redes sociais, o que é natural, pois a realidade do trabalho passaria a se alterar substancialmente a partir desse marco histórico.

Fato é que, aos poucos, essa nova realidade das relações de trabalho já vinha sendo anunciada antes mesmo de se cogitar qualquer pandemia.

Para acompanhar essa evolução, alterações legislativas significativas passaram a ser implementadas no Brasil desde março de 2017: a Lei das Gorjetas (Lei nº 13.419/2017); a Lei do trabalho temporário e da terceirização (Lei nº 13.429/2017); por fim, a tão proclamada “Reforma Trabalhista”, de novembro de 2017, mediante a qual diversos dispositivos da CLT foram alterados sob o argumento de que a Consolidação não abarcava as novas modalidades de relação de trabalho, bem como para solucionar a questão do desemprego.

Além das alterações legislativas propriamente ditas, as “Medidas Provisórias trabalhistas” (MP’s), típicas do período de pandemia, não são novidade em nosso país. Desde 2019, afinal, após a posse do novo presidente Jair Messias Bolsonaro, o país entrou na “fase das MP’s”, visto que o novo governo está sendo marcado pela publicação de diversas dessas medidas, algumas das quais com alterações da matéria trabalhista.

A MP é um instrumento que, embora tenha força de lei, é editado unilateralmente pelo presidente da República, reservada para casos de relevância e urgência, que produz efeitos imediatos, mas depende de aprovação do Congresso Nacional para transformação definitiva em lei. Dentre as diversas MP’s que foram publicadas no Brasil durante o governo Bolsonaro, podemos destacar, na matéria trabalhista, a MP 905, que instituiu, dentre outras providencias, o Contrato Verde e Amarelo, cujo principal objetivo foi a criação de novos postos de trabalho para as pessoas entre 18 (dezoito) e 29 (vinte e nove) anos, a qual foi revogada aos 20 de abril de 2020, por meio da publicação de outra MP (955).

Agora, com a instalação da pandemia do coronavírus, naturalmente, novas Medidas Provisórias trabalhistas foram publicadas no Brasil a fim de gerir a crise, que está sendo anunciada como uma das piores da história quanto aos impactos econômicos e, por consequência, trabalhistas.

Foram três importantes Medidas Provisórias que trataram de matéria trabalhista durante os últimos meses:

MP 927, que flexibilizou direitos trabalhistas mediante autorização que empregados e empregadores firmassem por meio de acordo individual a possibilidade de alteração de regime presencial para teletrabalho, antecipação de férias individuais (com flexibilização dos pagamentos), antecipação de feriados, banco de horas, dentre outras disposições;

MP 936, que teve como objetivo preservar o emprego e a renda, garantir a continuidade das atividades laborais e empresariais e reduzir o impacto social decorrente das consequências do estado de calamidade pública e emergência de saúde pública, o que fez mediante instituição do direito ao pagamento de Benefício Emergencial aos trabalhadores e da criação da possibilidade de  adoção da redução proporcional de jornada de trabalho e de salários ou a suspensão temporária do contrato de trabalho; e,

MP 944, que instituiu o Programa Emergencial de Suporte a Empregos, destinado à realização de operações de crédito com empresários, a fim de viabilizar pagamento de folha salarial de seus empregados.

Diante de tantas mudanças (as já anunciadas e as inesperadas), este 1º de maio de 2020 possui um novo significado: é marcado por incertezas e mudanças para empregados e empregadores (nem sempre a priori benéficas).

Uma certeza é que a garantia ao emprego e ao salário, nesse 1º de maio, é a preocupação da grande maioria dos cidadãos brasileiros, os que empregam e os que são empregados. Nunca se desejou tanto trabalhar, e nunca o trabalhador foi visto como tão necessário à economia.

A esperança para esta data é de que tudo isso passe o quanto antes e de que possamos retomar nossas vidas e trabalho, que o Brasil volte a produzir e os cidadãos tenham a garantia de renda e emprego. Será, porém, um mundo novo, uma nova realidade econômica, com novas relações de trabalho.

*Priscila Salamoni é advogada trabalhista e sócia do GMPR Advogados S/S e Karine Domingues é professora, mestre em direito do trabalho e consultora do GMPR Advogados S/S.