STF e o Tema 1234: a burocratização que compromete vidas

Daniele Ferreira da Costa*

O recente julgamento do Tema 1234 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) trouxe à tona uma série de decisões que, sob a pretensão justificativa de equilibrar gastos públicos e organizar demandas judiciais, apresentam obstáculos intransponíveis para quem busca garantir o direito fundamental à saúde. Em um país marcado por desigualdades, essas imposições revelam uma face cruel do sistema: vidas sendo colocadas em risco devido a exigências desproporcionais e infundadas.

O Tema 1234 estabeleceu que, em alguns casos, o Estado não tem a obrigação de fornecer medicamentos que não estejam previstos em suas políticas públicas ou listas oficiais, como a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME), salvo em situações excepcionais. Apesar de buscar limitar a judicialização da saúde, essa decisão tem prejudicado diretamente o acesso a serviços médicos e medicamentos necessários, principalmente para pessoas que sofrem de doenças raras ou não contempladas nas políticas públicas.

Critérios probatórios e o risco de colapso

Centenas de pessoas em todo o Brasil estão à beira do colapso, algumas vezes sob risco de morte, devido a uma avalanche de critérios probatórios impostos. O que deveria ser um simples acesso aos tratamentos necessários e prescritos por médicos tornou-se um calvário jurídico. Não bastasse a fragilidade de quem depende do sistema de saúde público, essas pessoas agora precisam enfrentar uma verdadeira corrida de obstáculos criada por critérios legais que ignoram a urgência e a gravidade dos casos.

O que choca, no entanto, é o desprezo às opiniões médicas que tratam do caso concreto. Laudos emitidos por especialistas, que conhecem profundamente a condição de seus pacientes e recomendam tratamentos específicos, são colocados em segundo plano. Em contrapartida, decisões judiciais frequentemente se baseiam em pareceres genéricos do Núcleo de Apoio ao Judiciário (NATJUS), da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC) ou em avaliações financeiras, desconsiderando completamente a realidade vivida por quem precisa desesperadamente de ajuda.

Burocracia e prioridades invertidas

Questões burocráticas e financeiras recebem um peso desproporcional, invertendo a ordem de prioridades que deveria nortear o sistema de saúde pública e a atuação do Judiciário. Trata-se de um flagrante descaso com o que a Constituição Federal determina: o direito à saúde como garantia fundamental, vinculada à dignidade humana. Essa inversão de valores permite que uma economia de recursos financeiros se sobreponha à vida humana, uma postura que deve ser veementemente criticada.

Evidentemente, a gestão de recursos públicos é um desafio, mas esse argumento não pode ser utilizado como escudo para violar direitos essenciais. Quando a burocracia passa a ser uma arma contra o cidadão, ela perde sua função organizadora e se transforma em instrumento de exclusão. A saúde, por sua vez, não pode ser tratada como privilégio ou favorecimento em situações exclusivas; ela é um direito e, como tal, deve ser acessível, ágil e eficaz.

O Impacto Real: Quem Paga a Conta?

Por trás das decisões judiciais, há rostos, histórias e famílias inteiras impactadas. São crianças, idosos e pessoas em situações de vulnerabilidade extrema que veem suas vidas penduradas por um fio. Em vez de dar respostas rápidas e eficazes, o sistema tem se mostrado mais preocupado em se proteger contra possíveis excessos. Contudo, esse “cuidado” excessivo tem levado ao extremo oposto: a negligência institucional.

O STF, ao julgar o Tema 1234, precisa ser mais sensível ao impacto social de suas decisões. O que está em jogo não é apenas a interpretação fria da lei, mas o efeito real e devastador que tais julgamentos têm sobre a população. O Brasil não pode relegar à burocracia o destino de vidas humanas. Trata-se de uma questão ética e moral, que transcende o simples tecnicismo jurídico.

Se o Brasil deseja se colocar como um Estado que respeita e promove os direitos humanos, é imperativo que suas instituições coloquem a dignidade da pessoa humana no centro das decisões. O Tema 1234, da forma como vem sendo aplicado, é um exemplo de como o Judiciário pode se distanciar das reais necessidades da população ao impor entraves burocráticos. É urgente que as imposições infundadas sejam revistas, que os pareceres médicos sejam valorizados e que a burocracia seja reduzida para permitir o acesso pleno à saúde. Qualquer caminho diferente é um atentado à vida e um desrespeito à Constituição Federal.

*Daniele Ferreira da Costa é advogada, pós-graduada em Direito Privado na UCAM, pós-graduada em Direito Médico pelo Instituto Paulista de Direito Médico e pós-graduada em Criminologia pela Gran Cursos.