João Badari*
O objetivo do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) de ingressar com embargos de declaração é que o Supremo Tribunal Federal traga uma limitação financeira temporal na Revisão da Vida Toda. De forma simples: o INSS não quer pagar os valores retroativos aos aposentados prejudicados, popularmente chamados de “atrasados”.
A modulação de efeitos ocorre com a possibilidade processual de se restringir a eficácia temporal de decisões judiciais do STF em controle difuso ou concentrado de constitucionalidade nas ações que cheguem para o seu julgamento e passem a ter exclusivamente os efeitos para o futuro. Ou seja, que seus efeitos ocorram apenas para o período posterior ao seu julgado.
Na verdade, tal decisão já nasceu modulada, pois exclui do seu alcance, por conta da decadência, todos os aposentados de 1999 a 2013, exceto os 10.700 segurados que buscaram seu direito antes da proclamação do resultado, conforme esclarecimento em Plenário da Eminente Ministra Presidente, Rosa Weber sobre a quantidade de processos sobrestados no país.
Dessa afirmação acima, a decisão emanada em 2023 pela Suprema Corte, após 24 anos do início da afronta legal aos segurados, abarcou apenas 7 anos de concessões dos 24 concedidos com ilegalidade pela Autarquia, ou seja, mais de 2/3 dos segurados prejudicados, tiveram um direito reconhecido, qual nunca poderão exercer, por conta da decadência, ou seja, o segurado perdeu um direito que nunca teve, não existindo modulação maior já conhecida, do que a realizada pelo Tema 1102.
É uma revisão que possuí prévia modulação, pois não se aplica aos aposentados que tem benefício concedido há mais de 10 anos e nem mesmo os que aposentaram após 13 de novembro de 2019, pelas regras trazidas pela EC 103. Além de possuir começo e fim expressos, o limite de pagamento é o da prescrição quinquenal, trazido pela lei dos benefícios do INSS.
O INSS busca no presente caso a “modulação da modulação”, indo novamente contra a sua própria lei, em uma tentativa desesperada de prejudicar os aposentados lesados.
Os embargos buscam que os aposentados não recebam as prestações dos últimos 5 anos, mas a sua própria lei prevê tal direito, vejamos o artigo 103 da Lei 8.213 de 1991:
Parágrafo único. Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil.
Assim, é ultrajante a proposta de modulação da Autarquia, qual já se beneficiou de forma demasiada, se apropriando de forma definitiva dos valores devidos a mais de 2/3 dos segurados que tiveram contribuições antes de 1994, e indo frontalmente contra o seu próprio texto legal.
O INSS ao requerer que o pagamento dos atrasados não respeite a prescrição quinquenal vai contra a sua própria norma, é um pedido que afronta a Lei de Benefícios. Temos como princípio da administração pública a regra em que o administrador só pode fazer o que a lei determina, porém nos parece que para o INSS este princípio não deverá ser seguido, pois vai contra os seus interesses. É mais uma tenebrosa afronta ao estado democrático de direito, requerer junto ao Supremo Tribunal Federal o descumprimento da sua própria lei.
A aceitação de tal pedido se mostraria, caso aceito pela mais alta Corte do país, como o reconhecimento judicial do erro ocasionado pelo INSS. Uma maneira de aceitação que aposentados foram lesados em seus cálculos de benefícios, porém, ao final, o perdão judicial de que ele arque com sua responsabilidade financeira em ressarcir quem foi prejudicado. Um pedido ilegal, imoral e inaceitável, que deve ser fortemente combatido. E temos a confiança de que será.
Para mantermos um estado forte, o primeiro passo é que possamos confiar no fiel cumprimento da lei e das decisões judiciais, e este pedido será ilidido pelo Tribunal no julgamento dos embargos de declaração opostos.
O STF trouxe com a decisão na Revisão da Vida Toda a renovação na esperança dos aposentados, pessoas que por décadas contribuíram aos cofres públicos e foram prejudicadas em seus cálculos. Uma decisão que não merece qualquer reparo, mas o INSS custa a aceitar a sua derrota.
É visível a confiança que estas pessoas possuem na mais alta Corte brasileira, porém, o INSS está buscando retirar tal confiabilidade, até mesmo se socorrendo da mídia com informações que fogem da realidade da ação.
Modular os efeitos a partir do julgamento significaria chancelar a ilegalidade previdenciária rechaçada pelo acórdão embargado, tornando sem efeito as razões que levaram a Corte a conferir interpretação conforme a aplicabilidade da regra permanente quando a regra de transição for mais desfavorável, ferindo os princípios previdenciários e a hermenêutica da norma.
A modulação seria um salvo-conduto para que a Autarquia continue cometendo ilegalidades com os mais necessitados, sem precisar arcar com as responsabilidades impostas pela lei. Porém, temos a convicção de que tal manobra será repelida pelo Supremo Tribunal Federal, trazendo justiça e dignidade na vida de muitos aposentados que injustamente foram obrigados a sobreviverem com valores de benefícios inferiores aos devidos por um erro na aplicação da lei, por parte do INSS.
*João Badari é advogado especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados