*Marcus Vinicius Antunes Vargas
O processo civil clássico preocupava-se basicamente com a solução de conflitos entre o Estado e o indivíduo ou entre indivíduos. O modelo processual clássico não dispunha de instrumentos capazes de garantir a prestação da tutela jurisdicional aos interesses metaindividuais, isto é, os interesses dos grupos, classes ou categorias de pessoas.
Foi a partir da crítica acerca da inadequação desse sistema tradicional que surgiu o movimento para a tutela coletiva de direitos. Afinal, viam-se, à época, grandes obstáculos de acesso à Justiça.
O movimento preocupado com a defesa dos direitos coletivos culminou, inicialmente, no Brasil, na promulgação da Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85), que permitiu a defesa do meio ambiente, do consumidor e do patrimônio cultural. Em seguida, sobreveio a Constituição Federal de 1988, que trouxe em seu bojo normas sobre o processo coletivo, promovendo um alargamento do seu conceito, legitimidade e objeto.
Nesse contexto, tem-se que o processo coletivo ganhou notório fortalecimento no ordenamento jurídico, sendo hoje considerado um ramo do direito objeto de inúmeros estudos que visam a verificar todo o seu potencial para a tutela efetiva dos direitos. O processo coletivo é, portanto, um instrumento por meio do qual é possível buscar a adequada e efetiva prestação da tutela jurisdicional pelo Estado.
O processo coletivo, por ser considerado um sistema processual autônomo, é regido pelos princípios gerais de processo civil e princípios específicos, que são próprios da tutela coletiva. Entre os princípios específicos, está o da representatividade adequada, que é o objeto da presente reflexão.
É próprio do processo coletivo que a pretensão de tutela envolva interesses compartilhados por uma determinada coletividade, categoria, classe ou grupo, que não atuam formalmente no processo. Isto é, pessoas que não participam formalmente do processo coletivo são de alguma forma vinculadas aos efeitos do seu resultado.
Uma das principais características do processo hoje, entretanto, é a de tratar de uma atividade participativa, por muitos definida como um procedimento em contraditório. A valorização do contraditório garante que os participantes do processo tenham a oportunidade de tomar ciência dos atos processuais e possam apresentar suas razões para influenciar o convencimento do juiz.
Em outras palavras, para que se possa falar em devido processo legal, em processo justo, deve-se antes garantir que as partes eventualmente sujeitas aos efeitos da decisão proferida pelo juiz tenham participado, de alguma forma, da formação daquele convencimento. Há hoje, afinal de contas, uma retomada da dialética da retórica como fundação para o desenvolvimento das argumentações e, consequentemente, das decisões.
Ora, de que maneira se pode fortalecer a efetiva possibilidade de que aqueles atingidos pelo alcance de uma decisão judicial tenham respeitado o seu direito de participação, mediante a consideração de suas percepções argumentativas quando do julgamento da causa que lhes afeta? É nesse contexto que se fala na representatividade adequada no processo coletivo.
Scarparo refere que: “(…) entre tantos interesses e argumentos, a representatividade adequada deve significar a instituição de direito responsável por garantir a voz efetiva aos representados, de modo que sua perspectiva sobre a causa seja passível de verdadeiramente influenciar o julgamento”[1].
Nesse contexto, a doutrina usualmente classifica os critérios que estão à disposição do operador do direito para verificar a legitimidade dos porta-vozes escolhidos para representar determinada coletividade. Tais critérios podem ser objetivos, como aqueles previstos em lei, ou subjetivos, que são aqueles aferíveis pelo magistrado casuisticamente, conforme a qualidade do representante.
Logo, duas são as formas de controle da representatividade adequada no processo coletivo: (i) a que admite o controle prévio pelo legislador (ope legis), que indica por meio das leis os requisitos objetivos necessários a fim de legitimar determinado corpo intermediário a atuar em nome de uma coletividade; (ii) ou mediante controle tópico do juiz (ope judice) que, ante as especificidades do caso concreto, avalia se aquele que se apresenta tem as condições para cumprir a representação adequadamente. Pode se falar, ainda, em uma terceira forma de controle da representatividade adequada, na qual se cumulam as formas anteriormente referidas, instituindo um sistema misto.
Aqui, vale destacar que o Brasil adota o sistema de controle da representatividade ope legis, enquanto nos Estados Unidos, nas chamadas class action, adota-se um controle ope judice fortíssimo, em que o juiz realmente analisa o caso concreto para ter certeza de que o representante das partes irá proteger equitativa e adequadamente os interesses da classe.
Independentemente do modelo de controle da representatividade que se utilize, para se ter um mínimo de segurança e credibilidade em decisões vinculativas de uma coletividade, deve o representante ter um patamar de excelência indispensável. O processo coletivo exige um representante adequado, cujo controle deve ser tarefa do juiz. Ao verificar o preenchimento dos requisitos objetivos de legitimidade, o magistrado deverá também analisar sob o viés subjetivo a adequação da representação realizada por aquela entidade coletiva.
*Marcus Vinicius Antunes Vargas é advogado – marcus.vargas@rmmgadvogados.
[1] SCARPARO, Eduardo. Controle da representatividade adequada em processos coletivos no Brasil. Revista de Processo, vol. 208/2012, jun/2012, p. 125-146.