Revisão do índice para atualização monetária do FGTS

*Jonas Oliveira

Introdutoriamente, importante é, expor brevemente sobre a criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS, onde tem seus primeiros indícios na Constituição do Império de 1824 em seu art. 149 que estabelecia: “Art. 149. Os Officiaes[1] do Exército, e armada não podem ser privados das suas Patentes, senão por Sentença proferida em Juízo competente.”.

O supra citado artigo demonstrava de forma implícita que aqueles que ocupassem determinados cargos gozariam de “estabilidade”, cuja perda do cargo só aconteceria via sentença, inobstante a isto, e com razão, passaram os trabalhadores do setor privado a cobrar a extensão desse direito, à exemplo dos trabalhadores ferroviários, o que culminou na edição do Decreto n. 4.682 (Lei Eloy Chaves), que estendia a estabilidade para outras categorias de trabalhadores.

A propósito, Eloy Chaves era advogado, empresário e também deputado federal, onde na Câmara lutou por um sistema que entregasse maior guarida ao trabalhador brasileiro, e principalmente aos trabalhadores idosos.

Uma das grandes façanhas de Eloy Chaves foi a de guarnecer o trabalhador com a estabilidade decenal. Esta consistia na dispensa do empregado de maneira justificada, tendo este, o direito a apuração via inquérito judicial apuratório, mas claro só para aqueles que laborassem 10 (dez) anos ou mais na mesma empresa.

Lado outro, tínhamos os empregadores em que grande parte era contra o instituto e, com isso, de modo a se esgueirar da estabilidade decenal acabavam dispensando os empregados antes de completados os dez anos de emprego.

Desta forma, foi necessária a edição da Lei n. 5.107/66, lei matriz do FGTS no Brasil, que sem empecilhos feriu de morte a estabilidade decenal, isto porque com o advento desta lei o trabalhador no ato de sua admissão passava a optar pelo FGTS ou pela “estabilidade”, o que claro acontecia em relação ao primeiro, pois havia certa pressão sobre o candidato ao trabalho, pressão esta que se dava diante da possibilidade do empregado ficar mais de 10 anos na empresa e, portanto, passar a gozar da estabilidade decenal, o que obviamente, empregador algum queria.

O FGTS é desde a constituição de 1967 consagrado como direito de todo trabalhador brasileiro, sendo perpetuado na Carta Política de 1988 nos termos do art. 7º, III, e regido atualmente pela Lei n. 8.036/90, a qual traz consigo todo arcabouço inerente ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.

Bem, superado o breve histórico, é necessário que adentremos à questão medular do presente artigo, a correção monetária do FGTS. Esta vem disciplinada nos artigos 2º e 13º da Lei 8.036/90[2], que por sua vez dispõem que todas as contas vinculadas ao FGTS sofrerão a devida atualização monetária bem como a aplicação de juros.

Em que pese os artigos suso mencionados demonstrarem nitidamente que deverá haver a correção dos valores depositados, isto não é o que vem sendo feito, pelo menos não da maneira correta pela Agente Operadora, neste caso a Caixa Econômica Federal – CEF, pois está evidente que estes valores não estão acompanhando nem mesmo a inflação.

Tal fato ocorre desde 1999, onde os valores depositados em contas vinculadas ao FGTS vêm sofrendo certo retardo em sua atualização chegando à estagnação no ano de 2009, haja vista que, a Taxa Referencial – TR já não apresenta competitividade com o IPCA há tempos.

Só para que fique ilustrado em um ínfimo cenário, se lançássemos hoje uma  correção monetária sobre R$ 1.000,00 (um mil) reais via IPCA-E de 01/2021 a 09/2021 teríamos uma correção percentual no período de 6,89%, noutro lado, se fizéssemos a mesma correção com base na TR, o valor permaneceria o mesmo de mil reais, isto porquê a Taxa Referencial vem desde 09/2017 com percentual zerado.

Imperioso frisar que, a conduta do Agente Operador do Fundo constitui em flagrante ofensa à moralidade administrativa, dado que se apropria de valores pertencentes aos trabalhadores.

À vista de tudo isto, a mixórdia gerada deve ser enfrentada pela Suprema Corte em breve, pois já está em trâmite a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.090/DF, em que se discute a deficiência da correção sobre os saldos depositados de 1999 a 2013 com a devida aplicação de outro índice.

Abrindo rápido parêntese, o STF já declarou a inconstitucionalidade da aplicação da TR como fonte de atualização monetária por meio da ADI 5.348/DF, em que se estabeleceu como critério de atualização o IPCA-E por ser o índice medidor da inflação no país.

Desse modo, o STF no ato de julgamento da ADI em comento, poderá modular seus efeitos de forma a retroagir ou não a atualização, que segundo levantamentos preliminares de entidades classistas e do Instituto Fundo de Garantia do Trabalhador – IFGT seria na monta de cerca de quinhentos bilhões de reais.

A questão econômica claro, é importante, considerando o grande impacto econômico nos cofres públicos, todavia o trabalhador brasileiro não pode ser mais uma vez lesado e ter seu patrimônio simplesmente abocanhado pelo sistema, pois há escancarada ofensa ao direito de propriedade outro corolário constitucional.

A ofensa ao direito de propriedade dentre outros na balbúrdia em comento robora em redução do poder aquisitivo do cidadão, e consequentemente porque não dizer em perda de arrecadação pelo próprio ente público, dado que o sujeito deixa de consumir bens/serviços.

É cediço que o direito ao FGTS guarda proteção constitucional devendo ter sua proteção garantida pelo Supremo Tribunal Federal, pois este é por excelência guardião constitucional, que por sua vez, deve decidir a favor do trabalhador brasileiro consoante ao entendimento firmado na ADI 5.348.

Destarte, a judicialização da questão é necessária para que se dê cobro ao imbróglio gerado entorno das atualizações monetárias dos valores depositados em contas de FGTS, ficando o STF encarregado de decidir sobre a inconstitucionalidade da aplicação da TR como índice de correção monetária, aplicando, ademais, índice no mínimo compatível com o IPCA-E, e consequentemente, modulando os efeitos da decisão com retroação ou não. 

*Jonas Oliveira é advogado.  Bacharel em Direito pela Uni-ANHANGUERA.Pós-graduando em Direito Civil e Processo Civil. E-mail: jonasoliveira.adv@outlook.com 

– BIBLIOGRAFIA 

Primeira lei da Previdência, de 1923, permitia aposentadoria aos 50 anos, Fonte: Agência Senado, disponível em https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/arquivo-s/primeira-lei-da-previdencia-de-1923-permitia-aposentadoria-aos-50-anos acessado em 05/09/2021 

Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, Breve Histórico do FGTS no Brasil, disponível em http://www.pgfn.fazenda.gov.br/assuntos/fgts/breve-historico-do-fgts acessado em 18/09/2021 

BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.090/DF, Ministro Relator Roberto Barroso, disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4528066  acessado em 10/10/2021 

BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.348/DF, Ministra Relatora Cármem Lúcia, disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=751490343 acessado em 09/10/2021 

BRASIL, Senado Notícias – Em 1967, FGTS substituiu estabilidade no emprego, disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/05/05/em-1967-fgts-substituiu-estabilidade-no-emprego acessado em 10/10/2021 

Associação dos Advogados de São Paulo – Histórico Taxa Referencial, disponível em: https://www.aasp.org.br/suporte-profissional/tr/ acessado em 02/09/2021 

BRASIL, Banco Central – BACEN – Correção de valores pelo IPCA-E, disponível em: https://www3.bcb.gov.br/CALCIDADAO/publico/exibirFormCorrecaoValores.do?method=exibirFormCorrecaoValores acessado em 01/11/2021 

Jornal Extra – FGTS: STF vai julgar em maio ação que pode alterar correção monetária e restituir perdas. Saiba o que fazer, disponível em: https://extra.globo.com/economia/fgts-stf-vai-julgar-em-maio-acao-que-pode-alterar-correcao-monetaria-restituir-perdas-saiba-que-fazer-24981865.html acessado em 15/10/2021

[1] Pela ortografia oficial: Oficiais

[2] Art. 2º O FGTS é constituído pelos saldos das contas vinculadas a que se refere esta lei e outros recursos a ele incorporados, devendo ser aplicados com atualização monetária e juros, de modo a assegurar a cobertura de suas obrigações.

Art. 13. Os depósitos efetuados nas contas vinculadas serão corrigidos monetariamente com base nos parâmetros fixados para atualização dos saldos dos depósitos de poupança e capitalização juros de (três) por cento ao ano.