O pedido de demissão e a estabilidade gestacional

*Ernane de Oliveira Nardelli

A primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho publicou decisão no recurso de revista n. 0011588-13.2015.5.01.0038, considerando nula a rescisão contratual por iniciativa da empregada em razão da estabilidade gestacional.

No caso analisado a empregada pediu demissão sem ter conhecimento de que estaria gestante. Após a rescisão, tomando conhecimento de sua situação gravídica, requereu a reintegração e consequente nulidade do pedido de demissão.

Não há questionamentos quanto a nulidade da rescisão contratual por iniciativa da empresa, a conhecida rescisão sem justa causa. Contudo, quando a rescisão ocorre por iniciativa do empregado, a jurisprudência se divide quanto ao assunto.

Isso por que o artigo 10, inciso II, alínea “b” do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, protege a empregada gestante contra a dispensa arbitrária ou injusta.

O caso analisado se diverge do comumente enfrentado nos tribunais, na medida em que a rescisão contratual ocorreu por iniciativa da empregada, não se configurando, sob qualquer hipótese, em “dispensa arbitrária ou injusta”.

No julgamento o relator destacou que apesar de a rescisão contratual ter ocorrido pela livre vontade da empregada, o tribunal tem-se posicionado no sentido de que o momento do conhecimento da gravidez pelo empregador, ou mesmo pela própria gestante, não retira da empregada o direito a estabilidade.

Com o devido respeito a decisão proferida, tal entendimento não nos parece o mais correto, na medida em que deixa de avaliar a literalidade da norma especifica que trata sobre o tema.

De uma forma geral, toda estabilidade é definida como uma forma de garantir o direito ao trabalho para o trabalhador, por um período pré-determinado, após uma situação de vulnerabilidade frente a seu empregador.

No caso da estabilidade gestacional a garantia de emprego é tida também como um direito fundamental do nascituro, indo muito além da vontade de permanecer ou não no emprego.

Ocorre que a norma é clara ao estabelecer a proteção contra despedida “arbitrária ou injusta”. Não nos parece arbitrária ou injusta a situação em que a rescisão contratual ocorre por iniciativa única e exclusiva da funcionária.

Por outro lado, o artigo 500 da CLT estabelece que o “pedido de demissão do empregado estável só será válido quando feito com a assistência do respectivo Sindicato e, se não o houve, perante autoridade local competente do Ministério do Trabalho e Previdência Social ou da Justiça do Trabalho”.

Avaliando tal dispositivo, temos que para a rescisão contratual por pedido de demissão da empregada gestante, obrigatoriamente seria necessário a chancela do Sindicato da categoria.

A anuência de uma entidade representativa do empregado tem a finalidade de certificar a ausência de eventuais vícios de vontade do empregado estável, garantido a total higidez ao ato praticado.

O fundamento utilizado para a nulidade do pedido de demissão utilizado pelo Tribunal seria justamente a ausência da anuência do sindicato laboral, não sendo observados os requisitos do artigo 500 da CLT.

Contudo, no corpo do julgado o relator fez consignar a ausência de qualquer vício de consentimento, assim abordando o assunto:

“É incontroverso que a reclamante laborou para a reclamada no período 1.º/9/2014 até 2/1/2015, quando ocorreu a resilição contratual por sua livre iniciativa, e sem indício algum de vício de vontade por parte da obreira no pedido de demissão. Ao revés, conforme relata o Regional, na ata de audiência de instrução, a própria reclamante afirmou que “o pleito de nulidade do pedido de demissão se fundamenta no fato de tê-lo feito grávida, embora desconhecendo seu estado gravídico”.”[1]

Não havendo qualquer vício de consentimento no ato praticado pela empregada, nos parece excesso de formalismo exigir a mera chancela sindical a um ato convalidado inclusive junto ao Judiciário.

Da forma como abordado o termo, poderia ocorrer de uma empregada, tomando conhecimento do seu estado gravídico, pedir a rescisão do seu contrato de trabalho, não comunicar ao seu empregador de sua situação e, posteriormente ao período de estabilidade, requerer o pagamento de todo o período de estabilidade – data da dispensa até cinco meses após o parto.

Nesses casos, nos parece mais sensato estabelecer-se a obrigatoriedade, no mínimo, de comunicação imediata da gestação ao empregador, garantindo a possibilidade de reintegração ao empregado.

Uma situação passível de minimizar essas situações seria incluir o teste de gravidez no exame demissional, onde seria possível ter a certeza de que no momento da rescisão não haveria qualquer estabilidade em curso. Evitaria assim o mal estar resultante da reintegração.

Contudo, esse é um tema fora de questão para os tribunais trabalhistas, na medida em que violaria o direito constitucional de intimidade da mulher, que poderia se sentir constrangida com tal exigência.

O certo é que as empresas têm que cumprir o que os Tribunais Superiores vem decidindo, garantindo a reintegração de empregadas gestantes, mesmo com eventual pedido de demissão.

Tendo o empregador conhecimento da gravidez ou, ao menor indício, deve exigir a homologação do pedido junto ao sindicato laboral ou, em sua ausência, de outra autoridade legal competente, cumprindo assim o requisito do artigo 500 da CLT.

*Ernane de Oliveira Nardelli é sócio da Jacó Coelho Advogados Associados

[1] Quarto parágrafo da página cinco do acórdão.