O Direito Potestativo do empregador e a justa causa

*Cristina Lima Monteiro

Recentemente, a Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho excluiu da condenação imposta à Rio de Janeiro Refrescos S/A (Coca-Cola) a determinação de pagamento de indenização por danos morais a um auxiliar de carregamento demitido por justa causa em abril de 2013. Os ministros entenderam que mesmo que a justa causa tenha sido revertida em juízo, não cabe reparação civil quando não for demonstrado efetivo prejuízo à honra ou à boa fama do empregado.

O reclamante pugnou pela reversão da justa causa sob a alegação de que seus espelhos de ponto não possuíam sua assinatura, implicando que ele não tinha ciência, tampouco tinha dado anuência aos registros. A 28ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro julgou como improcedente seu pedido, mas o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ) afastou a justa causa e reverteu a sentença de 1º grau, sob alegação de que a empregadora tolerou inúmeras faltas e que, ao fazê-lo, repentinamente, haviam contrariado a lei.

O TRT da 1ª região entendeu que houve a configuração de um clássico caso de “perdão tácito” e condenou a antiga empregadora ao pagamento de uma indenização por danos morais na monta de R$5.000,00 (cinco mil reais), sustentando que foi “infligido injusto sofrimento ao trabalhador, comprometendo seu bom nome profissional”.

A antiga empregadora, Coca-Cola, recorreu ao TST e em sua tese, sustentou justamente o direito diretivo do empregador, mais conhecido como direito potestativo, afirmando que, apesar de demitido por justa causa, não houve qualquer violação à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem do empregado que justificasse o pagamento de indenização por danos morais. Ressaltou justamente o fato de que não se tratava de ato ilícito dispensar um empregado, seja por ou sem justa causa, mas de seu direito potestativo.

Sendo assim, o desembargador relator, ministro Márcio Eurico Vitral Amaro, salientou que quando a aplicação da justa causa não for abusiva, como no caso debatido, ainda que tenha sido afastada judicialmente, não cabe indenização por dano moral. Ressaltou que “A reversão da justa causa em juízo, por si só, não enseja o acolhimento do pedido de indenização por dano moral, pois decorre do exercício do poder diretivo do empregador de dispensar seus empregados pelos motivos que entender cabíveis”.

A decisão da Oitava Turma do TST foi unânime.

A demissão por justa causa é sempre causa de espanto quando acontece num ambiente de trabalho. Tal reação deve-se ao fato de que a justa causa sempre está vinculada ao cometimento de uma falta grave por parte do empregado. Contudo, para ser caracterizada como tal, deve se encaixar no rol taxativo do art. 482, da CLT, que elenca quais atitudes de um empregado podem levar a um desligamento tão desfavorável a ele.

Existem 13 (treze) possíveis atitudes que, caso caracterizadas, podem ensejar uma demissão por justa causa, elencadas de “a” a “m” do Códex supracitado. Logicamente que boa parte das empresas se resguardam antes de demitir um funcionário de tal maneira, evitando que ele mova uma ação trabalhista pleiteando a reversão da justa causa. Isto posto, é aconselhável que haja um procedimento administrativo interno na empresa, documentado em forma de dossiê ou inquérito, embasando quais atitudes ensejaram na despedida do colaborador a ponto de impedi-lo de levantar boa parte das verbas trabalhistas e rescisórias que seriam suas por direito.

Deve-se observar algumas práticas que facilitam a vida das empresas para a criação de tal dossiê. O fato de não deixar transcorrer muito tempo entre o ato gravoso e sua punição é extremamente importante, sob pena de configurar perdão tácito. Explico. Caso um empregado esteja faltando muito ao trabalho de forma injustificada, como no caso relatado acima, isto é, sem trazer atestados médicos ou em algum dos casos elencados no art. 473, da CLT, em que suas faltas devem ser obrigatoriamente abonadas, como no caso de doação voluntária de sangue uma vez por ano, desde que comprovadas, ou no caso de nascimento de filho, caracteriza o ato de indisciplina.

A indisciplina consta na alínea “h” do art. 483, da CLT e as faltas injustificadas também se encaixam na mesma. Por exemplo, se em um mesmo mês o empregador falta 3 vezes, seja de forma consecutiva ou esparsa, sem justificativa formal, cabe adverti-lo por escrito naquele mesmo mês ou, no máximo, no mês subsequente, arquivando a via da empregadora na ficha de registro do empregado.

Uma inovação trazida ao instituto da justa causa com a Reforma Trabalhista foi a inserção da alínea “m” ao art. 483, da CLT, na qual, profissionais que perderem sua habilitação para o exercício da profissão, em decorrência de conduta dolosa do empregado, podem ser demitidos por justa causa.

Exemplifico. É o caso de advogados que dependem da sua habilitação perante a OAB – Ordem dos Advogados do Brasil, para o exercício da profissão, de médicos que precisam estar devidamente inscritos e quites com o CRM – Conselho Regional de Medicina e de engenheiros perante o CREA – Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura.

Neste ponto, cabe o apontamento acerca do Direito Potestativo na relação de emprego. O empregador, na prática deste direito, esbarra apenas no limite imposto pelo princípio da dignidade da pessoa humana. O empregador tem o direito de rescindir o contrato de trabalho unilateralmente, com ou sem motivo, segundo o seu livre arbítrio, porque o ato jurídico reveste-se de caráter absoluto, não comportando oposições, quer do empregado ou de autoridade pública.

O princípio da dignidade da pessoa humana aparece justamente para coibir eventuais excessos do titular do direito potestativo, amparado por mecanismos de proteção instituídos pela Constituição Federal, pela legislação ordinária, pela Consolidação das Leis do Trabalho, por convenções e acordos coletivos de trabalho e até mesmo pelo próprio contrato individualizado de trabalho.

Ressalta-se que apesar da função social do princípio da dignidade da pessoa humana, é bastante relevante ao entendimento de magistrados e demais desembargadores e ministros, o poder diretivo da empresa. Por se tratar de propriedade privada, o empregador é o proprietário dos bens, meios de produção e organização dos serviços, não devendo caber às leis apenas institutos capazes de dificultar o livre exercício do comércio e da indústria, o que interferiria diretamente no livre comércio e, consequentemente, na continuidade da relação de emprego.

Isto posto, cada evento em que se pleiteia indenização por danos morais é analisado de forma individual, não devendo o obreiro criar expectativas de que a premissa de uma demissão por justa causa revertida em juízo obrigatoriamente ensejará a ele uma indenização por danos morais.

Caso não haja comprovação robusta de que houve dano à sua imagem, que foi infligido em sofrimento desnecessário, com consequências graves e notórias à sociedade, muito provavelmente o pedido de indenização por danos morais será julgado improcedente.

A reversão da justa causa muitas vezes nem desconstitui a falta grave cometida pelo empregado, o que é erroneamente esperado por empregados que foram demitidos de tal forma. Por vezes apenas aprecia se já não houve punição para referida falta, ou se deixou-se transcorrer tempo demais entre a falta cometida e a punição disciplinar oriunda do empregador, capaz de configurar o perdão tácito.

Cabe às empresas sempre se resguardarem mediante a criação de históricos e dossiês de empregados, amparados, logicamente, por um corpo jurídico de advogados capazes de fornecerem a eles consultoria jurídica adequada acerca de cada situação. E aos empregados cabe respeitarem a etiqueta laboral e não ir de encontro ao que está vedado expressamente em lei, evitando cometer ato gravoso.

*Cristina Lima Monteiro é advogada da Jacó Coelho Advogados Associados