Patrícia Carrijo*
Durante algum tempo publiquei em minhas redes sociais vídeos em que respondia a perguntas recebidas de seguidores sobre a magistratura e, sobretudo, sobre a atuação dos magistrados. Selecionei as curiosidades mais popularescas. Dente elas, uma que me recordo, é se os juízes trabalham aos sábados, domingos e feriados.
Sim, trabalhamos aos sábado, domingos e feriados. Seja pelo rodízio entre os magistrados, para que se mantenha a prestação jurisdicional sete dias por semana, para que se possa garantir as audiências de custódia, liminares, processos urgentes, processos de família, violência doméstica, medidas protetivas e outras. Dessa forma, há uma dedicação muitas vezes integral por parte dos magistrados. Seja também pelo acúmulo de processos, que não são possíveis de ser analisados na carga horária regular de exercício do magistrado.
A tendência é aumentar essa carga horária de trabalho, visto que, todos os anos, 30 milhões de novos processos são abertos, segundo divulgado recentemente pela consultoria FTI Consulting, sobre a alta litigiosidade no país e o sobrecarregamento do Poder Judiciário. Em tempo, somos um dos países com as mais altas taxas de litigiosidade, conforme dados da World Justice Project. Por ele foi apontado que 32% dos brasileiros haviam experimentado algum problema jurídico nos dois anos anteriores a 2022, e que em 2024 chegamos ao montante de 40,1 mil processos em tramitação para cada 100 mil habitantes no Brasil, enquanto que nos Estados Unidos, por exemplo, o número é de 5,8 mil casos em tramitação por 100 mil habitantes.
O dado é assustador, mas o que mais chama atenção é que em nosso país, em média, são proferidas sete decisões por juiz por dia útil. Ou seja, nos cinco dias trabalhados regularmente, são 35, e aproximadamente 150, por mês. Cada um deles com páginas e mais páginas a serem analisadas para, posteriormente, mais páginas e páginas serem produzidas nas decisões, que são, e devem ser, únicas.
Para produzir o estudo, foram utilizados dados dos relatórios Justiça em Números e da Base Nacional de Dados do Poder Judiciário (DataJud), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Conforme esses dados, em 31 de dezembro de 2023 existiam 82,4 milhões de ações judiciais em tramitação em todos os tribunais do Brasil, sendo que destes, 35,2 milhões foram iniciados durante o ano de 2023.
Ao se analisar todo esse contexto, é triste saber que também recai aos magistrados a cobrança por mais agilidade nas decisões. É imputado a nós parte da morosidade do sistema de Justiça, mesmo estando nós submetidos a uma carga de trabalho sobre-humana, como tenho dito e reafirmado pela consultoria FTI Consulting. Estamos lidando com um sistema vagaroso, em que o tempo médio decorrido entre o início de um processo judicial e sua primeira baixa é de 3,5 anos.
Mais triste ainda é constatar que para lutar somos poucos, pois o mesmo estudo mostra que no Brasil há apenas 8,9 magistrados por 100 mil habitantes, número inferior à maioria dos países desenvolvidos europeus, como Alemanha, Portugal, Itália, Suécia, França, Espanha e Noruega.
Mas temos de ir à luta. Se somos suficientes para vencer esse 7×1 diário, temos de o ser também para as cobranças pela magistratura.
*Patrícia Carrijo é juíza, presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego) e vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).