Mero dissabor x dano moral, seria o fim do Código de Defesa do Consumidor?

*Tatiana Cavalcante Fadul

O Código de Defesa do Consumidor ou Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990 é uma lei ordinária editada há cerca de 30 anos que visa a proteção do consumidor frente as práticas abusivas de prestadores de serviço, empresas, entre outros, e principalmente é o principal diploma de defesa do consumidor.

Em toda a sua trajetória, a lei sempre previu institutos próprios visando defender a parte hipossuficiente da relação de consumo: o consumidor, prevendo institutos próprios como a inversão do ônus da prova, proteção contra a publicidade enganosa, facilitação da defesa dos seus direitos, efetiva prevenção e reparação de danos, sejam morais, materiais, individuais ou coletivos.

Porém, no nosso dia a dia forense, temos nos deparado com decisões absurdas, em que os direitos do Consumidor tem sido violados constantemente e o pior: o consumidor que procura guarida junto ao Poder Judiciário vem sofrido com decisões que encaram a prática abusiva sofrida com um simples aborrecimento ou mero dissabor, como dizem.

E ainda, sabe-se que é uma parcela mínima de consumidores lesados que judicializam suas pretensões, sendo que há uma suposta estatística que não chegaria aos 10%, e os que judicializam, acabam tendo descrédito com a instituição que chamou para si o poder de resolver lides e conflitos das partes.

Tal situação tem se repetido dia após dia, e práticas como venda casada, má prestação de serviços, produtos defeituosos, tem sido encaradas como uma situação cotidiana, algo da vida moderna que é incapaz de gerar uma reparação por danos morais, o que é um verdadeiro absurdo e viola os institutos básicos do CDC.

Recentemente nos deparamos com decisões como atraso de voo, ou cancelamento de viagens programadas, cobranças indevidas, alterações unilaterais dos contratos de prestação de serviços, em que não são punidas com medidas enérgicas pelos magistrados, e que tem se tornado uma bola de neve: passam a se repetir com mais constância, já que é incerta a punição judicial.

Ainda, quando o magistrado entende pela condenação e arbitramento dos danos morais, fixa indenizações em patamares tão baixos, que muitas em valores tão ínfimos que a indenização não se preza para o fim pretendido: reparar o dano moral sofrido pela parte e ter um caráter pedagógico para que a empresa deixe de praticar determinada conduta abusiva.

Assim tem sido muitas decisões judiciais: engavetadas pelas empresas sem que tenham efetividade e alcance o seu principal objetivo: proporcionar uma justiça à parte que foi lesada e se sentiu desamparada em frente uma empresa que dita as regras e decidi qual é o rumo que vai tomar a prestação de serviços ou fornecimento de produtos.

Daí indaga-se: estaríamos criando uma indústria do mero dissabor? Teríamos agora algo reverso da antiga e esquecida “indústria do dano moral”, sim, indaga-se tal questão após ouvir inúmeros advogados que patrocinam causas e que tem se sentido frustrados com as decisões recepcionadas junto ao Poder Judiciário.

O mero dissabor passou a ser a regra, enquanto o dano moral, instituto com previsão expressa no Código de Defesa do Consumidor tem sido esquecido e deixado de lado, já que agora é tudo um aborrecimento cotidiano, e aquelas que são arbitradas possuem um valor tão ínfimo que acabam perdendo o caráter pedagógico.

O dano moral passou a ser escasso e em contrapartida, vem crescendo o número de práticas abusivas praticadas pelas empresas, já que a impunidade é um fomentador de abusos, já que a expectativa de que o dano seja reparado é quase nula.

E assim vamos pegando uma lei moderna como o Código de Defesa do Consumidor e retirando direitos que lá estão, os arquivando numa gaveta, sem dar a eles efetividade e garantias, indagando-se quando o texto de tal diploma se tornará uma letra morta ou sem efetividade.

Fica assim uma reflexão: o Poder Judiciário no geral, ao deixar de entender pela indenização por danos morais, não estaria assim tirando a efetividade do Código de Defesa do Consumidor? Somente com o tempo teremos uma resposta para essa indagação, na esperança que tal lei caia no desuso.

*Tatiana Cavalcante Fadul é advogada especialista em Seguros Privados, Pós graduada em Direito Público e Pós graduanda em Direito Privado.