Como os hospitais podem evitar demandas judiciais em tempos de pandemia?

*Théo Moreira Costa Chagas

Pouco mais de um século após a gripe espanhola, a humanidade se vê acuada pela pandemia causada pelo vírus Sars-Cov-2. A rápida disseminação entre humanos enquanto são buscados tratamentos eficazes tem causada motivada preocupação entre a população e dado o merecido destaque a todos os profissionais da saúde.

A sociedade, especialmente a brasileira, tem percebido o hercúleo esforço desenvolvido pelos profissionais da saúde, mas ainda se preocupa com os riscos de um colapso do sistema – tanto privado quanto público – caso um alto número de pessoas exija tratamento médico.

Apesar de não desejável, o cenário acima é possível de ser verificado caso medidas de prevenção e contenção na disseminação do vírus não sejam adotadas. Cabe aos hospitais, médicos e demais agentes se prepararem adequadamente para o caso de a demanda por seus serviços crescerem vertiginosamente.

Determinados assuntos, de simples implementação, já podem ser discutidos agora para o caso de, no pior cenário, não resultarem em futuros problemas às instituições hospitalares e aos profissionais que nela atuam.

Para os hospitais que disponibilizem atendimentos de urgências ou emergências, protocolos de triagem[1] não são novidade. O Protocolo de Manchester é muito utilizado no Brasil e tem mostrado excelentes resultados, quando bem implementado e executado.

Médicos e enfermeiros sabem que, especialmente em datas festivas, há aumento na demanda por atendimento, especialmente nos prontos-socorros. Quando devidamente implementado e executado, o Protocolo de Manchester consegue priorizar aqueles casos que exigem atendimento imediato em detrimento de questões mais simples, que podem aguardar.

Mas qual a razão de se dizer algo tão óbvio? Inúmeros pacientes ou seus familiares procuram, não só o Poder Judiciário, mas também os Conselhos Profissionais, reclamando milionárias indenizações pois não teriam tido seus casos corretamente analisados, o que resultaria em algum dano.

Agora imagine as recepções dos hospitais caso as vítimas de Covid-19 procurem, ao mesmo tempo, atendimento médico. Protocolos de triagem corretamente implementados e executados pelos profissionais conseguirão organizar a demanda de forma que os pacientes realmente urgentes recebam atendimento imediato, enquanto questões mais simples sejam posteriormente analisadas.

Não só! Uma vez recebido, o paciente deve ter seu prontuário corretamente preenchido, desde seu nome, verificação de sinais vitais, procedimentos solicitados ou executados, encaminhamentos etc. Claro, com letra legível, se não estiver na forma eletrônica.

É importante destacar esses cuidados pois, apesar de se tratar de observações já regulamentadas pelos Conselhos Federais, os prontuários constituem principal documento de defesa em eventuais litígios.

Este assunto é agora levantado porque, sendo real a chance de se instalar o cenário caótico previsto pelos mais diversos especialistas, a adoção dessas medidas – que já deveriam ser rotineiras – incorre em uma prevenção dúplice, pois diminui a possibilidade de erro no tratamento do paciente e, especialmente, em eventual demanda judicial oportunista, será de grande valia no sentido de comprovar que tanto a instituição hospitalar quanto os profissionais agiram de forma adequada e dentro dos ditames legais.

Evita-se, desta forma, o prolongamento da crise para um setor tão essencial para a sociedade e economia, que é o médico. Possíveis ações judiciais calcadas no caos verificado na pandemia terão curta vida, pois a documentação produzida adequadamente demonstrará que não haveria motivo algum para indenização de qualquer espécie.

Temos a sorte de ser um dos últimos grandes países vítimas do vírus Sars-Cov-2, e as condutas adotadas pelas outras nações são de grande valia na definição de estratégias de combate à doença por ele causada. A adoção e execução de protocolos de triagem, aliada ao correto preenchimento de prontuários, resultará em melhor qualidade do serviço prestado, independente do que venha a acontecer nos próximos dias, e servirá para afastar oportunistas que buscam “dinheiro fácil” junto ao Poder Judiciário

Prevenir é sempre melhor, qualquer que seja a área.

*Théo Moreira Costa Chagas, advogado associado ao GMPR – Gonçalves, Macedo, Paiva & Rassi Advogados, graduado em Direito pela UFG, pós-graduando em Direito Processual Civil pelo IDP, atuante nas áreas de Direito Civil, Direito Processual Civil e Direito Médico.

[1] Sistemas estruturados de recepção, acolhimento e classificação de risco, com o objetivo de estratificar, comumente, pacientes em cinco níveis de risco: emergente, muito urgente, urgente, pouco urgente e não urgente.