Ana Paula Siqueira Lazzareschi de Mesquita
Um estudante de 14 anos disparou tiros contra os colegas dentro do Colégio Goyases, escola particular de ensino infantil e fundamental, em Goiânia. Dois estudantes morreram e outros quatro ficaram feridos na unidade, localizada no Conjunto Riviera, bairro de classe média. As informações preliminares apontam que se tratou de mais um caso de bullying, onde o atirador não suportou as ofensas dos demais alunos e, utilizando-se da arma dos pais, disparou tiros de forma indiscriminada.
Desde 2014, momento em que foi lançado o programa “Proteja-se dos prejuízos do cyberbullying”, tenho alertado – de forma constante e ininterrupta – professores, alunos e pais sobre a gravidade do bullying no Brasil e o menosprezo da situação pelas autoridades públicas e determinados administradores escolares.
Crianças e adolescentes são constantemente violentados pelos seus pares nas redes sociais e nos pátios dos colégios, pois ainda existem 2 pensamentos equivocados sobre a intimidação sistemática, que são repetidos como mantras da ignorância comportamental:
Bullying é brincadeira de criança – isso passa; e, na minha época, não existia bullying – tudo se resolvia na porrada;
O caso de Goiânia nos mostra exatamente o oposto e nos leva a alguns pontos de reflexão.
Nos termos da lei nº 13.185/15, considera-se como bullying todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas.
Todas as instituições de ensino, clubes e agremiações recreativas têm o dever legal de instituir um Programa de Combate a Intimidação Sistemática (bullying) de acordo com a Lei 13.185/15. A vigência da lei iniciou em fevereiro de 2016 e o texto da norma é claro – a implementação do programa não é uma faculdade do gestor, é uma exigência imperativa-normativa.
Para que o programa de combate ao bullying seja realmente eficaz é essencial a abordagem do tema relacionado com à lei brasileira, interligado com o método pedagógico de ensino. Afinal, quando um caso grave de cyberbullying ocorre, o primeiro a ser acionado é o advogado, em virtude dos crimes cometidos entre os envolvidos (em especial o agressor e o administrador escolar).
A falta de implementação do programa de combate ao bullying e inadequação dos estabelecimentos de ensino à Lei 13.185/15, ocasionam de forma inevitável a falta de diagnose e prevenção aos casos de bullying. Quando o programa de combate ao bullying é implementado de forma correta, nos termos do artigo 4º da lei, a comunidade escolar estará envolvida com a problemática da intimidação sistemática e terá formas de coibir e auxiliar as vítimas e os agressores deste terrível evento.
O bullying só acontece em virtude da existência de três partes envolvidas, sendo elas: a vítima, o (os) agressor (res) e a plateia. Os alunos que convivem com a violência sistemática geralmente silenciam em razão medo de se tornar a “próxima vítima”, ou de ser chamado de “dedo duro”. No espaço escolar, quando não ocorre uma efetiva intervenção contra o bullying, o ambiente fica contaminado para violência explicita ou velada nas redes sociais; desta forma, todos, sem exceção, são afetados negativamente, experimentando sentimentos de terror e ansiedade. Quando a vítima é encurralada, o alvo da fúria é incerto, pois aquele que sofreu as humilhações e a exclusão social extravasa sua “sede de justiça” contra aqueles que estão na sua frente.
Para evitar que qualquer um faça “justiça com as próprias mãos” – crime previsto no artigo 345 do Código Penal, sem prejuízo da apuração dos demais atos ilícitos que envolvem a vingança particular (homicídio, lesão corporal, ameaça, injúria, calúnia, difamação etc.), é necessário e urgente que as autoridades públicas tenham consciência de que o bullying é um fenômeno a ser tratado de forma interdisciplinar, tendo em vista que envolverá os Ministérios da Educação, Saúde, Justiça e Segurança, Ciência e Tecnologia e Planejamento.
O bullying inevitavelmente repercute na ordem jurídica, sendo que o envolvimento de menores em episódios de agressão presencial e virtual abarrotam as varas judiciais com pedidos de reparação de danos morais e materiais, em valores expressivos em virtude da ausência de instrução jurídica dos envolvidos no problema (pais, alunos e educadores), que desconhecem as responsabilidades que lhe são atribuídas por lei e tentam, muitas vezes, “remediar” conflitos sem a assistência profissional especifica, atuando de forma displicente e inepta frente ao conflito.
O crescente números de casos de bullying exige da sociedade civil uma atuação específica e em conjunto com o Poder Judiciário, membros do Ministério Público, conselhos tutelares, União, Estados, municípios e suas respectivas secretarias para que as efetivas medidas protetivas sejam adotadas o mais rapidamente possível.
*Ana Paula Siqueira Lazzareschi de Mesquita, advogada e coordenadora do programa “Proteja-se dos prejuízos do cyberbullying”