Anistiar é fazer justiça

advogado-marcos-cesar-goncalves-de-oliveiraAnistia é um direito estampado na Constituição de 1988 e alcança várias áreas do direito, sendo mais comum encontrá-la no Direito Penal, Tributário e Administrativo. É fácil recordar de algumas famosas anistias no Brasil, por exemplo, a dos crimes políticos cometidos no período militar brasileiro (lei 6.683/79), a dos bombeiros militares que fizeram greve no Rio de Janeiro (Lei 12.505/11), a dos funcionários públicos demitidos no governo Fernando Collor (Lei 8.878/94) e, mais recentemente, no Estado de Goiás, a dos empregados públicos da Caixa Econômica do Estado de Goiás – CAIXEGO (Lei 17.916/12).

É, então, um direito consgrado no ordenamento, mas que depende da edição de lei pela Casas Legislativas (Câmara de Vereadores, Assembleia Legislativa ou Congresso Nacional) para efetivá-la em prol dos perseguidos. Vê-se, portanto, que é um instituto de natureza eminentemente política, ou seja, de competência exclusiva do Poder Legislativo, ficando, então, a cargo deste Poder a avaliação dos critérios de conveniência e oportunidade para a concessão da anistia.

A anistia administrativa, que aqui se propõe a conversar, é a que alcança os servidores públicos perseguidos, a qual lhes custaram injustas punições, por exemplo, demissão. A aplicação da anistia predispõe o confissão de um erro histórico e, por consequencia, pedido de desculpas, reparação do erro e esquecimento jurídico de ato pretérito e injusto. Em outras palavras, anistiar é fazer justiça e corrigir erros do passado.

Assim, de pronto, é fácil entender que o funcionário público que retorna ao quadro da administração, local de onde nunca deveria ter saído, não viola o princípio do concurso público, porquanto outrora era servidor legalmente investido de seu cargo e agora simplemente retorna a ele. De tal modo, este retorno, decorrente da anistia, é espécie de provimento derivado e não originário, equivalente à reintegração, provocando então semelhantes direitos.

Com a edição da lei anistiadora e o retorno dos servidores perseguidos à Administração surgem discussões acerca dos direitos destes anistiados. Por exemplo, quais direitos são devidos a estes servidores ilegalmente demitidos? É relevante fazer um recorte temporal e analisar separadamente os direitos que possuíam antes da ilegal demissão e os direitos que eram devidos durante o período de afastamento.

Quanto aos direitos que o servidor possuía antes da ilegal demissão é sustentado pelos Tribunais pátrios, que devem ser reestabelecidos tal qual eram antes da perseguição, ou seja, o perseguido faz jus a tudo aquilo que possuía antes da demissão, por exemplo, adicionais, gratificações, abonos, quinquênios, anuênios, licenças, carga horária, enfim tudo que outrora era devido aos empregados.

Mas, é importante salientar, que as leis anistiadoras, em regra, vedam remuneração com caráter retroativo. Por outro lado, não pode suprimir direitos que estavam incorporados àquela época e nem impedir a contagem do tempo de afastamento para o cálculo de direitos.

Sendo assim, o servidor anistiado não deve receber remuneração pelo período que ficou afastado, mas faz tem direito à contagem do período de afastamento para todos os efeitos e isso não é remuneração retroativa. Este é exatamente o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho.

Então, no caso específico dos perseguidos da Caixego, que só foram anistiados 22 anos após a perseguição, há de existir respeito aos direitos que possuíam à época da demissão, bem como da contagem destes 22 anos para fins de cálculo do enquadramento funcional, das promoções na carreira por merecimento e antiguidade, das diferenças salariais, do tempo de contribuição para fins previdenciários, do FGTS, dos quinquênios, das licenças prêmios, mudança de regime previdenciário e doutros direitos que teriam recebido se nunca tivesse sido ilegalmente alijados da carreira.

Anistiar é, então, corrigir um erro histórico cometido pelo Estado e como não existe correção pela metade a anistia deve reestabelecer integralmente aos injustiçados todos os direitos que possuíam antes do cometimento da ilegalidade, bem como todos aqueles que deveriam ter tido concedidos durante o período do afastamento. Só assim corrigirá integralmente o erro e se fará justiça por inteiro.

*Marcos César Gonçalves de Oliveira advogado e sócio do GMPR – Gonçalves, Macedo, Paiva & Rassi Advogados, e professor.