A responsabilidade civil do “Golpista do Tinder” no Brasil

*Ana Luiza Meggetto de Campos

O documentário “O Golpista do Tinder”, da Netflix, retrata a mais nova forma de estelionato praticada atualmente: a sentimental. O estelionato sentimental ocorre quando alguém se utiliza de uma relação de afeto para obter vantagens ilícitas no âmbito financeiro.

Ele narra a história do israelense Shimon Hayut que teria acumulado mais de 10 milhões de dólares em golpes aplicados em mulheres que conhecia pelo aplicativo Tinder. No aplicativo, Shimon Hayut se apresentava como filho de um milionário e enganava às vítimas dizendo que possuía inimigos que o perseguiam.

Assim, após criada uma relação de confiança entre ele e as vítimas, Shimon Hayut começava a pedir dinheiro emprestado, sob a justificativa de que estava enfrentando problemas de segurança para se proteger contra seus inimigos, e prometia devolvê-lo.

Em Israel, Shimon Hayut cumpriu, apenas, 05 (cinco) meses de prisão, de uma sentença de 01 (um) ano e 03 (três) meses, por outras acusações de fraude. Hoje, o “Golpista do Tinder” está livre e, novamente, desfruta de um estilo de vida de alto padrão social.

Mas, afinal, no Brasil, Shimon Hayut seria responsabilizado civilmente pelos danos materiais e morais causados às vítimas?

Já existem precedentes, nos tribunais brasileiros, de que, uma vez demostrada a prática do estelionato sentimental, o causador do dano deverá responder pelos danos materiais e morais causados à vítima.

Nesse contexto, o 5º Juizado Especial Cível de Brasília/DF condenou um homem ao pagamento de R$4.000,00 (quatro mil reais) a título de danos morais, e R$ 23.227,00 (vinte e três mil, duzentos e vinte e sete reais) a título de danos materiais, pelo ressarcimento de presentes pagos, em favor do estelionatário, pela vítima ludibriada.

O relacionamento amoroso era mantido à distância e a autora da ação foi enganada pelo réu, sob a promessa de que iriam se casar. Para o 5º Juizado Especial Cível de Brasília/DF, as provas do processo mostraram que “o réu se valeu dos sentimentos da autora, envolvendo a vítima com declarações, e da confiança amorosa típica de um casal, além de promessas, como a de um futuro casamento, a induziu e manteve em erro, com o intuito de obter vantagens, praticando assim estelionato afetivo”.

Nota-se que o estelionatário, ao aplicar o golpe, aproveita do estado de carência e de vulnerabilidade da vítima, com o objetivo de explorá-la economicamente, violando os princípios da lealdade e da confiança; o que configura, por si só, o dever de indenizar.

O estelionato sentimental é um crime que atinge não só a esfera patrimonial da vítima, mas, principalmente, a psicológica. Afronta, diretamente, os direitos da personalidade da pessoa humana, dentre eles a moral, a honra, a virtude, a integridade, os quais são protegidos pelo ordenamento jurídico brasileiro.

À vista disso, os elementos caracterizadores da responsabilidade civil se fazem presentes, quais sejam, ato ilícito culposo, nexo causal e dano. Sendo assim, uma vez atingida a integridade psíquica da vítima, o causador do dano deve responder, não só pelas vantagens econômicas obtidas, mas, também, pelos danos extrapatrimoniais causados; os quais ultrapassam, e muito, o mero aborrecimento cotidiano.

Ademais, faz-se necessário que a vítima reúna todos os documentos que tiver, a fim de provar o alegado, como: mensagens de WhatsApp, e-mails, boletos de pagamento, comprovantes de transferência, extrato do cartão de crédito, entre outros. De preferência, com a elaboração de ata notarial em cartório.

Por fim, destaca-se, ainda, que um relacionamento afetivo é um acordo de vontades e, por isso, as expectativas criadas devem ser respeitadas, na direção do que preceitua o princípio da boa-fé objetiva.

É preciso ter cuidado, dessarte, com as novas formas de relacionamento criadas por meio das plataformas virtuais, principalmente, as do mundo “offline”. O namoro no “metaverso” já é uma realidade e as consequências jurídicas ainda estão sendo analisadas e construídas pelos tribunais brasileiros.

*Ana Luiza Meggetto de Campos é advogada associada no GMPR Advogados, Graduada pela Universidade Federal de Jataí e Pós-Graduanda em Responsabilidade Civil e Contratos.