A mentira no Processo Civil e suas consequências

*Nara de Almeida Giannelli Beleosoff

“Pode se enganar a todos por algum tempo; pode se enganar alguns por todo o tempo, mas não se pode enganar a todos todo o tempo” (Abraham Lincoln)

Dia 1º de abril é o dia da mentira. Todos sabem disso. Já nem todos sabem que a data foi criada em virtude da alteração no calendário cristão, no século XVI. Isso porque o Papa Gregório 13 instituiu o calendário atual, iniciado em 1º de janeiro, mas muitos franceses ficaram apegados ao calendário anterior, que tinha início em 25 de março e foram ridicularizados por isso, com convites para festas que inexistiam no mês de abril.

Pois bem. Esta é a origem do dia da mentira. Já a mentira, de sabença, existe desde que o mundo é mundo. E tem lá suas sequelas, já que máxima “mentira tem perna curta” é bem uma verdade.

No mundo jurídico, por óbvio, a mentira também tem suas consequências.

De fato, no Brasil não há o crime do perjúrio, que é a mentira em juízo.  No direito pátrio há a previsão legal de crime de falso testemunho e de falsa perícia, previsto no art. 342 do Código Penal que o define: “fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, tradutor, contador ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial ou em juízo arbitral”. A penalidade é de 02 a 04 anos de reclusão e multa.

Uma das conclusões que se deflui do dispositivo retro mencionado é que as partes do processo (autor, réu, terceiros) não cometem crime se mentirem em juízo. Mas nem por isso deixam de ser penalizadas. Isso porque a mentira no processo, em sendo identificada, implica na litigância de má-fé.

No Código de Processo Civil atual, ela vem prevista no art. 80 que considera “litigante de má-fé aquele que deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso (I); alterar a verdade dos fatos (II); usar do processo para conseguir objetivo ilegal (III); opuser resistência injustificada ao andamento do processo (IV); proceder de modo temerário em qualquer incidente do processo (V); provocar incidente manifestamente infundado (VI); ou interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório (VII).” As penalidades são o pagamento de multa de 1 a 10% do valor da causa corrigido, mais a indenização correlata aos prejuízos experimentados pela parte prejudicada, além de honorários e de custas processuais.

E aqui vale um parêntesis deveras importante: quanto à multa aplicada acerca da litigância de má-fé, a concessão da gratuidade não isenta a parte beneficiária de, ao final do processo, pagar as penalidades que lhe foram impostas.

Com a mentira tanto se fere os princípios da boa-fé e da lealdade processual, que devem nortear todas as áreas do direito, sendo expressamente previstos no Código de Processo Civil, em seu art. 5º; quanto o da cooperação (previsto no art. 6º do mesmo Códex), já que todos os sujeitos da relação processual devem colaborar mutuamente para que se obtenha a decisão de mérito justa e efetiva, no tempo mais rápido possível.

Portanto, em que pese não haver a configuração do crime em si para as partes no processo, os efeitos da mentira na esfera cível podem ser bastante penosos. Não importa se é réu, se é autor. A penalidade é a mesma, independente do polo em que se ocupa na relação.

Por outro lado, para aqueles que têm compromisso legal com a verdade, a mentira é crime. Por exemplo, o médico designado pelo juízo para avaliar a invalidez de uma parte do processo, em mentindo majorando – ou minorando – o grau de invalidez, comete crime. O perito contábil que deixa, propositalmente, de avaliar um documento para prejudicar qualquer uma das partes, comete o delito. E o mesmo vale para o tradutor, que omite ou acrescenta algo. O crime existe tanto na omissão, quanto na comissão.

Já as testemunhas, antes de serem inquiridas por qualquer juízo, de praxe são indagadas previamente acerca da sua relação com o caso em litígio, se têm interesse, se têm relação de parentesco, de trabalho, de amizade íntima, e até de inimizade com as partes. Em respondendo negativamente são, então, compromissadas a dizerem a verdade (e aqui também vale a regra para a omissão ou comissão), alertadas sobre o crime que podem cometer e da possibilidade de ser dada voz de prisão imediata se a mentira ocorrer. De outra banda, em respondendo positivamente, são ouvidas como meras informantes, livres do compromisso da verdade, isentas do risco do cometimento do crime.

Pela leitura do artigo 342 do Código Penal verifica-se, outrossim, que o crime se concretiza independente da esfera. Sendo cível, penal, trabalhista, ou administrativa, o delito é o mesmo. Para o(s) demandante(s) e demandado(s). Ou seja, admite-se que o réu – no seu processo criminal, por exemplo – minta em juízo para se defender. A Convenção Americana de Direitos Humanos estatuiu que no processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem se declarar culpada.

Conclui-se, portanto, que para aqueles que a legislação se permite mentir, o direito está assegurado. Porém, as sequelas decorrentes da mentira serão sentidas com penalidades como a da litigância de má-fé, eis que a boa-fé, repise-se, norteia todo o processo, instituto que prima pela atuação moral e proba de todos aqueles que atuam no feito. De outra senda, para aqueles comprometidos com a verdade (testemunhas, peritos, tradutores, contadores, intérprete) o mentir não é permitido, mas apenado com multa e reclusão, conforme alhures assuntado.

*Nara de Almeida Giannelli Beleosoff, advogada sócia da Jacó Coelho Advogados