Lei anticorrupção e o incentivo ao compliance

*Isabella Moraes

Nos últimos anos, raros foram os dias em que ligamos nossas televisões e não nos deparamos com escândalos que envolvessem empresas privadas e gestores públicos. A grande novidade das operações recentemente deflagradas pela Polícia Federal foi a responsabilização de pessoas jurídicas de direito privado envolvidas em esquemas ilícitos contra a Administração Pública.

O assunto logo nos remete à Lei nº 12.846/2013, mais conhecida como Lei Anticorrupção Brasileira. Referida legislação, embora pareça ter surgido de repente, esteve em processo de elaboração e aprovação durante um bom tempo. O Brasil não só sofria pressões internas por meio do “clamor das ruas”, como também principalmente externas, visto que é signatário de importantes Convenções Internacionais que o obriga a prever no ordenamento jurídico pátrio normas eficazes para o combate direto à corrupção que circunda a Administração Pública.

A norma em questão é inovadora e rigorosa. Inaugurou-se, pois, o instituto da responsabilização objetiva da pessoa jurídica pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira. Além disso, o legislador somou ao ordenamento jurídico brasileiro uma série de medidas e mecanismos para atingir seus fins, como por exemplo a previsão de multas de alto valor e os acordos de leniência (que se assemelham às delações premiadas, tão noticiadas ultimamente).

Ainda, um novo instrumento ganhou notoriedade com a regulamentação da Lei Anticorrupção: os Programas de Integridade, também conhecido por Programas de Compliance. Mas afinal, o que é isso? Se recorrermos à literalidade, o termo em si (originado do verbo em inglês “to comply with”) poderá ser compreendido como “estar em conformidade” ou cumprir com algo que é imposto.

No âmbito corporativo, instituído um Compliance Program efetivo, a empresa se vincula a promover a autorregulação e – principalmente – uma cultura organizacional que estimule a conduta ética e o compromisso com o cumprimento às normas internas e externas (tanto por parte da própria pessoa jurídica, como também de seus colaboradores e pessoas que a representa).

A partir dessa perspectiva, o Compliance Program possui dois grandes – mas não únicos – objetivos dentro de uma empresa: evitar o envolvimento da empresa e de seus integrantes em atos ilícitos e minimizar a responsabilidade da pessoa jurídica diante do surgimento de alguma patologia corruptiva.

Pois bem. De volta à Lei Anticorrupção, esta preconiza a devida observância aos Programas de Integridade eventualmente instaurados nas empresas responsabilizadas, para fins de aplicação da proporcionalidade no momento da atribuição das sanções. O artigo 7°, inciso VIII, claramente consagra a noção de Compliance ao evidenciar a necessidade de existências de procedimentos internos preventivos e de denúncia, além de códigos internos necessários para a contenção de ilícitos empresariais.

Além disso, o Decreto nº 8.420/2015 (que cuidou da regulamentação do novo sistema anticorrupção) trouxe a forma legal ao que ele mesmo denominou de “Programas de Integridade”. Preocupou-se, pois, em conceituar e procedimentar a verificação da efetividade desses programas no Capítulo IV do Decreto Federal.

O referido Decreto cuidou de prever benefícios às empresas que possuem e aplicam os Programas de Integridade nos parâmetros ali estabelecidos, como por exemplo a atenuação do valor da multa eventualmente aplicada, de 1 a 4% (artigo 18, inciso V). Verifica-se, também, que o Decreto determina que os acordos de leniência deverão conter cláusulas que versem sobre “a adoção, aplicação ou aperfeiçoamento de programa de integridade” (artigo 37, inciso IV).

Resta claro, portanto, que o novo diploma legal valoriza e incentiva a cultura do Compliance. Acredita-se que, pelo o simples fato de compartilhar também com o setor privado a responsabilidade pelo cometimento de atos prejudiciais ao erário e à economia, a lei influencia as práticas internas das empresas. O poder público, assim, parece contar com as benesses do Compliance Program para efetivar a boa governança corporativa, a fim de fomentar um verdadeiro novo padrão de mercado (que não admite práticas corruptivas internas) e combater a corrupção pela raiz do problema.

*Isabella Moraes, advogada associada ao escritório GMPR Advogados