A Lei do Gado de Goiás altera a cobrança do ICMS na transferência de mercadorias entre filiais

Otávio Henrique de Castro Bertolino

*Otávio Henrique de Castro Bertolino

Em 1º.12.2021, a Assembleia Legislativa do Estado de Goiás (ALEGO) derrubou o veto do Governador e publicou a Lei nº 21.077 que alterou o artigo 37, inciso I, alínea “u” e § 3º da Lei nº 11.651/1991, que instituiu o Código Tributário de Goiás (CTE).

Essa Lei é motivo de comemoração pelos pecuaristas goianos, pois serão anistiadas as multas aplicadas aos produtores rurais no transporte de gado bovino desacompanhado de nota fiscal, embora acompanhado da Guia de Transporte Animal (GTA).

Pelo histórico do Projeto de Lei até aprovação pela ALEGO, tudo indica que o único objetivo dos parlamentares estaduais era contemplar uma demanda do setor do agro. Porém, o alcance dessa alteração legislativa foi muito mais amplo do que imaginado e afetará todas as indústrias do Estado de Goiás que transferem suas mercadorias entre seus estabelecimentos, seja dentro ou fora do Estado.

Da forma que foi acrescentada a alínea “u” do inciso I do artigo 37, o ICMS no Estado de Goiás deixará de incidir sobre operações “de deslocamento de bens de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte localizados no território do Estado ou em Estado distinto.”

Não há qualquer limitação no dispositivo legal de que se aplicaria apenas ao transporte de gado bovino, como alguns contribuintes estão interpretando.

O que pode ter levado a essa interpretação equivocada é que no § 3º há uma delimitação de que o disposto na alínea “u” do inciso I do artigo 37 se aplica aos créditos tributários e não-tributários da Receita Estadual e da Agência Goiana de Defesa Agropecuária (AGRODEFESA), inscritos ou não inscritos em dívida ativa, ajuizados ou não ajuizados, relacionados à aplicação de penalidade pelo transporte de gado bovino.

Assim, embora o setor do agro esteja comemorando a aprovação da Lei nº 21.077, o setor industrial deve ficar atento, uma vez que ainda pairam dúvidas sobre as consequências e os reflexos do julgamento da Declaratória de Constitucionalidade (ACD) nº 49 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que fixou a seguinte tese: 

“O deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular não configura fato gerador da incidência de ICMS, ainda que se trate de circulação interestadual”.

Consta no site do STF que serão julgados, entre os dias 10.12.2021 e 17.12.2021, os Embargos de Declaração com pedido de modulação de efeitos para que seja dada eficácia futura à declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei Complementar nº 87/1996, que previam a incidência do ICMS na hipótese acima.

Além do pedido de modulação, o STF também analisará (i) a necessidade de estorno dos créditos de ICMS e (ii) a possibilidade de transferência destes créditos acumulados ao longo da cadeia de circulação da mercadoria.

Caso o Supremo decida pelo estorno dos créditos, poderá ocasionar prejuízos significativos para a indústria local, uma vez que o Estado de Goiás concede incentivos fiscais cuja eficácia prescinde do destaque do ICMS nas saídas de mercadorias para estabelecimentos do mesmo contribuinte.

Diante desse cenário de incerteza, é recomendável que a Secretaria de Estado da Economia de Goiás não regulamente a alínea “u”, inciso I do artigo 37 do CTE, no que diz respeito à transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, até o término do julgamento da ADC 49 pelo STF.

Ao setor industrial, resta acompanhar de perto a conclusão do julgamento pelo STF e a regulamentação da Lei nº 21.077, antes de reavaliar seu planejamento tributário, especialmente no que diz respeito aos impactos e reflexos da não incidência do ICMS na transferência de mercadorias entre seus estabelecimentos localizados dentro ou fora do Estado de Goiás.

*Otávio Henrique de Castro Bertolino é Sócio de VFVB Advogados (www.vfvb.adv.br), atuou por 14 anos como advogado tributarista no Pinheiro Neto Advogados em SP; membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/GO e da OAB/SP.