A insegurança jurídica da taxatividade mitigada do agravo de instrumento no Processo Civil Brasileiro

Oto Lima Neto*

A taxatividade mitigada do agravo de instrumento, consagrada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), constitui tema de amplas controvérsias no Direito Processual Civil. O agravo de instrumento, previsto no artigo 1.015 do Código de Processo Civil (CPC), originalmente destinava-se a hipóteses estritamente delimitadas, com vistas a garantir celeridade e segurança jurídica. No entanto, o STJ, ao interpretar a norma sob o prisma da efetividade da tutela jurisdicional, admitiu o cabimento do recurso em situações excepcionais não previstas no rol legal.

Essa flexibilização, consagrada no julgamento do Recurso Especial n.º 1.704.520/MT, foi sustentada com base nos princípios do contraditório e da ampla defesa. Contudo, a ausência de critérios objetivos para a definição dessas situações excepcionais gerou considerável insegurança jurídica, sobretudo pela aplicação heterogênea do entendimento pelos tribunais estaduais.

Diversas questões ilustram as divergências jurisprudenciais. Decisões que indeferem pedidos de exibição de documentos, por exemplo, têm sido consideradas passíveis de agravo em alguns tribunais, enquanto outros restringem sua recorribilidade por ausência de previsão expressa. A redistribuição do ônus da prova é igualmente controvertida, sendo reconhecida por parte dos tribunais como hipótese de agravo, enquanto outros sustentam que o tema deve ser debatido apenas em apelação.

Outra controvérsia significativa reside na homologação de laudos periciais. Embora reconhecida por alguns como decisão de impacto imediato, apta a justificar o agravo, outros tribunais rejeitam essa possibilidade, sob o argumento de que a homologação, por si só, não causa prejuízo irreparável. Questões relativas à fixação de honorários advocatícios e a decisões que deferem ou indeferem liminares em processos de execução de título extrajudicial também figuram entre os exemplos de tratamentos dissonantes.

Essas disparidades tornam o cenário processual incerto, dificultando a atuação dos advogados, que frequentemente se veem diante do dilema de agravar ou aguardar a apelação, sob o risco de preclusão da matéria. A falta de uniformidade no entendimento compromete não apenas a segurança jurídica, mas também a confiança no sistema.

A doutrina, dividida, reflete a complexidade do tema. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery sustentam que a mitigação da taxatividade deve ser exceção absoluta, preservando-se o critério restritivo do artigo 1.015. Já Humberto Theodoro Júnior defende a medida como instrumento necessário para evitar prejuízos irreparáveis, enfatizando a necessidade de se avaliar o impacto concreto das decisões interlocutórias. Fredie Didier Jr., por sua vez, sugere uma ampliação legislativa do rol de hipóteses, a fim de minimizar as interpretações subjetivas e promover maior segurança.

Diante desse panorama, é imperativo que o STJ assuma protagonismo na fixação de critérios objetivos para a aplicação da tese da taxatividade mitigada. Além disso, a ampliação do rol do artigo 1.015, por meio de reforma legislativa, poderia reduzir as controvérsias e alinhar o sistema processual aos princípios da isonomia e da previsibilidade.

A solução demanda esforço conjunto entre os operadores do direito, legislador e tribunais, visando harmonizar a busca por efetividade processual com a necessidade de estabilidade jurídica. A mitigação da taxatividade, embora bem-intencionada, exige ajustes urgentes para cumprir seu propósito sem sacrificar a segurança do sistema.

*Oto Lima Neto é advogado multidisciplinar desde 2006, especialista em Direito Processual Civil pela UNISUL-SC, especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pela UFG-GO, e professor em cursos de graduação e pós-graduação há mais de 16 anos, com experiência acadêmica nas seguintes disciplinas: Direito Civil, Direito Processual Civil, Direito Penal, Direito Processual Penal, Direito do Consumidor, Mediação e Arbitragem, Prática Jurídica, Prática Civil, Prática Penal e Prática Trabalhista.

Referências Bibliográficas:
•NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
•THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 56. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
•DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Meios de Impugnação às Decisões Judiciais e Processo nos Tribunais. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2015.