A (in)dispensabilidade da intimação pessoal do réu solto acerca da sentença condenatória

*Kelvin Wallace Castro dos Santos

A odisseia, poema escrito por Homero, narra as aventuras do herói grego Ulisses, sobre seu regresso à sua terra natal depois da Guerra de Tróia, submetido durante dez anos a obstáculos, ameaças e perigos em sua viagem de retorno [1]. Partindo desta análise mitológica, vivenciamos uma celeuma quanto à (in)dispensabilidade da intimação do réu solto acerca da sentença condenatória, revelando em nosso mister, uma odisseia jurisprudencial sobre a fluência do prazo recursal.

Nessa viagem extraordinária cabe lembrar que, a comunicação dos atos processuais são instrumentos essenciais que visam consagrar os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, e a sua falta, pode dar azo à nulidade, logo, é direito fundamental do réu ser informado de todos os atos processuais [2].

Ademais, existe diferença entre as expressões “contagem de prazo” e “fluência do prazo”, a fim de distinguir os fenômenos envolvidos na comunicação dos atos processuais. Assim, considera-se que a Fluência é termo inicial do lapso demarcado pela comunicação do ato à parte, e de outro lado, a Contagem é a unidade de tempo a partir da qual se inclui o cômputo do prazo estipulado por lei, geralmente fixado em dias [3].

Destaca-se que, em certos casos expressos pela legislação, além dos defensores, os acusados também possuem legitimidade para interposição de recursos, onde podemos mencionar sobre a sentença, posto que, em regra, além da intimação do defensor, o diploma processual penal ordena que o acusado seja devidamente intimado da sentença [4], sendo este fator determinante para fluência do prazo recursal a derradeira intimação, não importando se a última intimação foi do defensor ou do acusado.

É importante destacar que o Art. 798, § 5º, do CPP, aponta três situações que dão início à contagem dos prazos, são elas: a) a data da intimação; b) a partir da audiência ou sessão em que for proferida a decisão, se a parte estiver presente; e c) o dia da ciência inequívoca manifestada nos autos sobre a sentença ou decisão. De outro lado, recordemos que os prazos processuais, correm em cartório, sendo contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias, domingos ou feriados, vale dizer, uma vez iniciada a sua contagem, não serão interrompidos.

Tampouco podemos esquecer que a contagem do prazo recursal é realizada com a exclusão do dia do início e inclusão do dia final, ou seja, no processo penal, os prazos contam-se a partir da realização da intimação, começando a fluência do prazo a partir do dia útil seguinte a esta e incluindo o termo final, não tendo relevância, a data da juntada aos autos do respectivo mandado (súmula 710 do STF).

Nesta mesma esteira, outro verbete esclarece a matéria ressaltando que, caso a intimação ocorra na sexta-feira, o início do prazo recursal correrá a partir da segunda-feira, sendo dia útil (súmula 310 STF), da mesma forma, quando um prazo terminar no sábado, domingo ou feriado, será automaticamente prorrogado para o primeiro dia útil (Art. 798, §3, do CPP).

Dessa forma, nos casos em que a intimação da sentença é feita na pessoa do réu e do seu defensor, os prazos contam-se a partir do último ato, vale dizer, a fluência do prazo recursal será da certificação da derradeira intimação [5].

Ocorre que, os Tribunais Superiores e também vários Tribunais Locais [6], vem se posicionando em sentido absurdamente contrário, consagrando posicionamentos de que, para os casos em que o réu respondeu a ação penal em liberdade, a intimação da sentença condenatória bastaria a ciência do causídico constituído, o que obviamente não concordamos. Vale dizer, que, no caso de réu solto, é suficiente a intimação de seu advogado, dispensando a necessidade de intimação pessoal do acusado, efetivando-se legitimamente com a publicação no Diário de Justiça Eletrônico, forçando o posicionamento nos Artigos 392, II e 370, §1º do CPP.

A criação dessa jurisprudência no sentido de dispensar a intimação do réu solto acerca da sentença condenatória, isto é, sendo suficiente tão somente do defensor constituído, nos termos dos artigos citados, não se aplicam nos casos de aferir a tempestividade ou não do manejo recursal, além de violarem frontalmente os princípios insculpidos no artigo 5º, incisos LIV, LV da Constituição Federal/88, qual seja, do devido processo legal, contraditório e ampla defesa.

Neste mesmo sentido, justifica-se esta posição, em razão da legitimidade recursal autônoma do defensor e do acusado previsto no artigo 577, caput, do CPP, motivo pelo qual ambos devem ser individualmente intimados da prolação de sentença condenatória.
Sendo assim, o fato da jurisprudência navegar à deriva pela dispensabilidade da intimação da sentença condenatória do acusado solto, bastando a intimação do defensor constituído, não altera a conclusão de que, tendo efetivamente ocorrido a intimação de ambos do réu e de seu advogado, inicia-se a fluência do prazo recursal para a defesa no dia útil seguinte à derradeira intimação (Art. 798, § 1º e 5º, ‘a’ do CPP).

Portanto, após velejar pelos obstáculos, ameaças e perigos, o advogado precisa de cautela, pois diante da bravura, a coragem e a persistência dos fundamentos expostos, resta angústia sobre o caráter peremptório dos prazos processuais, especialmente em se tratando de recursos.

Por certo, não podemos correr riscos, sequer abusar da sorte, lembrando que está em jogo o destino do réu, sendo recomendável adotar a estratégia que viabiliza a tempestividade recursal, evitando o arrepio de uma viagem por vários anos em busca da jurisprudência natal, como também não podemos concordar com os posicionamentos equivocados.

*Kelvin Wallace Castro dos Santos é advogado criminalista e professor universitário.
Especialista em Direito Penal e Processo Penal (Damásio-GO). Especialista em Docência Universitária (Unialfa-GO). Membro da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – Abracrim-GO.

REFERÊNCIAS
[1] Homero. Odisseia. Trad.: Carlos Alberto Nunes. 25. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.
[2] LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 587.
[3] TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 14. ed. rev. e atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2019, p. 1128.
[4] DEZEM, Guilherme Madeira. Curso de Processo Penal. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Mastersaf, 2018, p. 1132.
[5] LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 1072-1073.
[6] (STJ – AgRg no RHC 40.667/SP, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Quinta Turma, DJe 29/08/2014); (STJ – HC 481.476/RJ, Rel. Ministro Reynaldo Soares Da Fonseca, Quinta Turma, DJe 07/08/2019); (STF – HC 144735 AgR, Relator(a): Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe-077 Public 23- 04-2018); (TJGO – Recurso em Sentido Estrito 115602- 91.2017.8.09.0042, Rel. Des. Carmecy Rosa Maria Alves De Oliveira, 2ª Câmara Criminal, DJe 2799 de 02/08/2019); (TJGO – Apelacao Criminal 68372- 20.2016.8.09.0032, Rel. Des. Joao Waldeck Felix De Sousa, 2ª Câmara Criminal, DJe 2478 de 04/04/2018); (TJRS – Apelação Crime, Nº 70074592585, Quinta Câmara Criminal, Desembargadora Relatora Lizete Andreis Sebben, Julgado em: 29-05-2018 – decisão monocrática); (TJSC – Apelação Criminal n. 0018301- 92.2014.8.24.0023, da Capital, rel. Des. Paulo Roberto Sartorato, Primeira Câmara Criminal, j. 11-07-2019); (TJAM – Des. Relator Jomar Ricardo Saunders Fernandes, comarca de Manaus/AM, Órgão julgador: Segunda Câmara Criminal; Apelação Criminal 0258822-22.2014.8.04.0001, julgamento: 29/10/2017); (TJAP – Desembargador Relator Gilberto Pinheiro, Câmara Única, Apelação Criminal 0001472-56.2015.8.03.0000, julgamento: 06/11/2018).