As sentenças condenatórias por tráfico de drogas fundamentadas exclusivamente nos depoimentos de policiais que efetuarem as prisões serão nulas. Esta mudança, sugerida pelo deputado federal Wadih Damous (PT-RJ) na Lei 11.343/2006, que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), foi aprovada pelo Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) na sessão ordinária de quarta-feira (11/4). Os advogados acolheram, por unanimidade, o parecer do relator André Barros, da Comissão de Direito Penal, favorável ao PL 7.024/2017, de autoria do parlamentar.
“O objetivo é desativar uma bomba-relógio jurídica que poderá ser detonada a qualquer momento nas cadeias do Rio de Janeiro e de outras cidades brasileiras, cada vez mais superlotadas de milhares de jovens, negros e pobres que, condenados com base somente na versão dos policiais que os prenderam, cumprem penas altíssimas, de cinco a 15 anos de reclusão”, alertou André Barros. De acordo com o advogado, na grande maioria dos casos, os presos são primários e foram flagrados desarmados, com pequenas quantidades de drogas e sem testemunhas que confirmem a narrativa dos policiais. “Trata-se de uma aberração jurídica altamente temerária”, afirmou.
Segundo André Barros, o objetivo do sistema jurídico brasileiro, que equiparou o tráfico de drogas aos crimes hediondos, deveria ser a apreensão de grandes quantidades de drogas, armas e munições, como também o combate ao crime de lavagem de dinheiro praticado pelos traficantes internacionais no sistema financeiro e imobiliário. De acordo com o advogado, o sistema jurídico, formado pela Constituição Federal, a Lei 11.343/2006, conhecida como Lei Antidrogas, e compromissos internacionais assumidos pelo País, “não foi construído para prender usuários, pequenos intermediários e escravos desse mercado como traficantes de drogas”.
Durante os debates que antecederam a aprovação do parecer do relator, a chefe de Gabinete da Presidência do IAB, Maíra Fernandes, integrante da Comissão de Direito Penal e ex-presidente do Conselho Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro, forneceu dados do estudo Tráfico e sentenças judiciais – uma análise das justificativas na aplicação de Lei de Drogas no Rio de Janeiro. Realizado pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro e a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), o estudo, concluído em janeiro deste ano, apontou que em 71,14% das condenações as únicas testemunhas dos processos eram policiais. Além disso, demonstrou que 77,36% dos réus não tinham antecedentes criminais e somente 20% foram absolvidos.
Prova oral – Ainda de acordo com o estudo, muitas das condenações tiveram como base o estabelecido pela Súmula 70, editada em 2003 pelo Tribunal de Justiça do Estado do Estado do Rio de Janeiro e duramente criticada por André Barros. Conforme a súmula, “o fato de restringir-se a prova oral a depoimentos de autoridades policiais e seus agentes não desautoriza a condenação”. Para o relator, “os desembargadores, numa decisão unânime, buscaram dar um tom de legalidade às prisões sem provas por tráfico de drogas, fazendo valer, inquestionavelmente, a versão dos policiais”.
André Barros destacou, também, os dados do levantamento feito em 2014 pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP). De acordo com a pesquisa, 67,7% dos encarcerados por tráfico de maconha no País foram flagrados com menos de 100 g da droga e 14% deles com menos de 10 g. “Mesmo com a Lei Antidrogas vigorando há quase 12 anos, não há até hoje um balizamento da quantidade de droga que diferencia o usuário do traficante”, criticou.
Segundo o relator, “embora a lei estabeleça que a materialidade do crime é demonstrada pela natureza e a quantidade da substância apreendida, milhares de pessoas são condenadas com pequenas quantidades, já que nenhum tribunal brasileiro se dispôs a enfrentar a questão”. Conforme André Barros, a única exceção foi o voto do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), que, no ano passado, no julgamento do Recurso Extraordinário 635.659, ainda não concluído, recomendou a aplicação do critério adotado em Portugal, onde a posse de até 25 g de maconha não é considerada tráfico.
O relator ressaltou, ainda, que os art. 28 e 33 da Lei Antidrogas mencionam 18 atos, dentre eles os de “importar, exportar, adquirir, transportar, guardar ou trazer consigo”, com base nos quais, embora não exista mais a pena privativa de liberdade por consumo de drogas, qualquer usuário pode ser condenado pelo crime de tráfico. “Trata-se de um festival de verbos, fazendo do crime uma verdadeira indefinição”, afirmou.