Legislação ambiental de Goiás é questionada no Supremo Tribunal Federal

Na coluna desta segunda-feira (25), eu e a colega Nathália Iskandar, advogada associada do GMPR Advogados, assinamos texto sobre legislação ambiental de Goiás que está sendo questionada no Supremo Tribunal Federal. Trata-se da legislação que institui a nova Política Florestal do Estado de Goiás.

Leia a íntegra do texto:

Em 14 de junho de 2023, passou a vigorar a Lei n. 22.017 no Estado de Goiás, que alterou diversas leis ambientais estaduais, incluindo a Lei n. 18.102/2013, que trata das infrações administrativas ao meio ambiente e respectivas sanções, a Lei n. 18.104/2013, que institui a nova Política Florestal do Estado de Goiás, bem como mudanças na Lei n. 20.694/2019, que dispõe sobre normas gerais para o Licenciamento Ambiental do Estado de Goiás, e a Lei n. 21.231/2022, que trata da regularização de passivos ambientais de imóveis rurais e urbanos, como também a definição dos parâmetros da compensação florestal e da reposição florestal no Estado de Goiás.

Embora seja perceptível que muitas melhorias ocorreram, o partido político Rede Sustentabilidade entendeu que a legislação estadual afronta alguns artigos do Código Florestal e da Constituição da República Federativa do Brasil, razão pela qual, propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, distribuída sob o n. 7438, tendo como relator o Ministro Ricardo Zanin, objetivando, ao final, a declaração de inconstitucionalidade dos enunciados normativos questionados.

A referida ação postula em sede de medida liminar a suspensão da eficácia dos enunciados prescritivos questionados até o julgamento do pedido principal, a qual ainda se encontra pendente de apreciação, devido à concessão de prazo para manifestação do Estado de Goiás, presidente da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, Advogado Geral da União e Procurador Geral da República, procedimento padrão em ações do controle concentrado de constitucionalidade.

O partido político elenca diversas razões que subsidiam suas alegações acerca das supostas afrontas à Constituição da República Federativa do Brasil e ao Código Florestal, dentre elas por supostamente ignorar as regras estabelecidas no Cadastro Ambiental Rural nacional ao determinar que haverá sistema próprio estadual para o Cadastro Ambiental Rural – CAR; quanto a possibilidade de desconsideração da localização de reserva legal nos casos em que sua espacialização não seja possível, entende haver violação ao princípio do retrocesso ambiental, alegando que tal ação poderia acarretar exploração incontestável das áreas de reserva legal; e ainda questiona o cômputo da reserva legal em áreas de preservação permanente de campos de murundus ser realizado sem vedação à conversão de novas áreas, além de outros argumentos discorridos ao longo do petitório inicial.

Ao final, questiona-se também a competência para legislar sobre tais matérias, aduzindo o rápido trâmite do projeto de lei e suposta violação do artigo 23, incisos VI e VII, da Constituição da República Federativa do Brasil, o qual dita ser competência comum entre os entes federativos a proteção do meio ambiente e a preservação das florestas.

As mudanças provenientes da Lei n. 22.017 do Estado de Goiás acarretaram, além de um sistema de licenciamento menos burocrático, maior previsibilidade e estabilidade nas relações ambientais no âmbito do agronegócio, visto que a legislação federal é omissa em diversos pontos. As recentes alterações possibilitam o desenvolvimento do Estado e de uma produção de modo sustentável, sem renunciar à segurança jurídica.

É incontestável os avanços da legislação ambiental estadual nos últimos anos, sobretudo as que ocorreram com o advento do referido ato normativo, que focou em aspectos práticos para garantir o cumprimento da legislação ambiental.

A busca pela conservação do meio ambiente, em equilíbrio com o desenvolvimento econômico, é dever de todos, e somente será possível sua efetivação por meio de processos administrativos ambientais transparentes, menos burocráticos e que garantam segurança jurídica aos produtores e empresários rurais; fatores indispensáveis para as boas relações no campo.

ANÁLISE DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N. 7438

 

ARTIGO E LEITEXTO ATACADOTESE/JUSTIFICATIVA DA INCONSTITUCIONALIDADE
Artigo 1º da Lei 22.017/2023O art. 1º da Lei 22.017/23 altera a redação do Parágrafo único do art. 31 da Lei 18.102/13 do Estado de Goiás adicionando fator condicionante ao acesso aos autos do processo administrativo a certificação da notificação do autuado, ato este que dará ciência da lavratura do auto de infração.Alega que condicionar a publicização do processo administrativo à cientificação da notificação do autuado, viola os princípios da publicidade e transparência dos atos administrativos.
Artigo 5º da Lei 22.017/13Retirado do §6° do art. 85-A o limite para as despesas da administração de fundo, que originalmente era de 7,5%.Alega que este novo cenário impossibilita a verificação e a transparência acerca dos valores que são efetivamente destinados à manutenção do fundo e os que se destinam à atividade-fim do órgão.
Artigo 2º da Lei 22.017/13O órgão estadual de meio ambiente poderá, em face das peculiaridades locais, desenvolver módulos complementares e/ou sistema próprio de CAR em complementação/substituição ao previsto no § 1º do caput deste artigo, desde que observe os padrões de interoperabilidade de Governo Eletrônico em linguagem e mecanismo de gestão de dados.Alega que quando o art. 2° da Lei n° 22.017/2023 modifica o artigo 3°, §2° da Lei n° 18.104/2013, para que permita o desenvolvimento de “módulos complementares e/ou sistema próprio de CAR”, a legislação estadual entra em conflito direto com a Constituição Federal e o Código Florestal, ignorando o as regras estabelecidas no CAR Nacional.
§5º do art. 26 da Lei nº 18.104/13§ 5º Será desconsiderada, para todos os fins, a localização das reservas legais

averbadas em matrícula do registro de imóveis, quando não seja possível a integral

espacialização a partir das informações constantes na certidão de inteiro teor, desde

que o imóvel esteja devidamente inscrito no CAR.

Alega que a norma impugnada permite a desconsideração completa, para todos os fins, das áreas de reserva legal averbadas na matrícula do imóvel quando não seja possível a sua espacialização a partir das informações contidas na certidão de inteiro teor.

Entende que está desacompanhado de qualquer restrição acerca de que essa desconsideração não pode resultar na conversão de novas áreas para uso alternativo do solo.

§6º do Art. 27 da Lei 18.104/13 “§ 6º O cômputo de reserva legal em áreas de preservação permanente de campos de

murundus poderão ser realizado independentemente do disposto no § 1º deste

artigo, sem vedação à conversão de novas áreas, mediante autorização do órgão

ambiental competente.’’

Alega que afronta a competência já exercida pela união por meio do Código Florestal que admite o cômputo de APP no cálculo da reserva legal desde que isso não resulte em conversão de novas áreas.

Conclui que o dispositivo especificado viola os arts. 23, VI e VII, art. 24, VI, §§1º e 2º tendo em vista que a União exerceu a competência para legislar sobre o tema por meio do art. 15, I da Lei Federal nº 12.651/12, e, ainda, viola o princípio da vedação do retrocesso ambiental e o art. 225/CF.

Art. 30, §§2º e 3º, da Lei Estadual nº 18.104/13§ 2 o No caso de empreendimentos de utilidade pública ou interesse social que vierem a afetar reservas legais próprias ou de terceiros, o empreendedor deverá realizar, à sua própria conta, a regeneração da área utilizada ou, quando isso não for possível, a compensação da área suprimida nas proporções e conforme o disposto na Lei n o 21.231, de 10 de janeiro de 2022.

(…)

§ 3 o Nas hipóteses do § 2 o deste artigo, o proprietário ou o possuidor do imóvel afetado pelo empreendimento de utilidade pública o u interesse social ficará desobrigado de promover a alteração da reserva legal original para recomposição da área total devida, e deverá ser registrada no CAR de cada imóvel a compensação efetuada pelo empreendedor.

Alega que os §§2º e 3º do art. 30 configuram evidente retrocesso ambiental, pois

estabelecem formas de compensação ambiental para intervenção em reserva legal muito menos protetivas que a disposição anterior e retiram a obrigação do proprietário do imóvel afetado alterar a reserva legal original para recomposição da área total devida em evidente afronta ao art. 225, §3º, e o §4º nega aplicação ao Código Florestal, violando de sobremaneira os arts. 23, VI e VII, art. 24, VI, §§1º e 2º da CF/88 por contrariar o §§5º, 9º do art. 66 do Código Florestal.

Art. 50-A na Lei nº 18.104/13Art. 50-A. É admitida a supressão de fragmentos isolados de vegetação nativa, conhecidos como capões, assim considerados os remanescentes de vegetação nativa, inseridos em uma paisagem antropizada, de até 2 (dois) hectares, mediante autorização, mesmo quando necessário recompor ou compensar a reserva legal intra ou extrapropriedade.Entende haver violação dos arts. 23, VI e VII, art. 24, VI, §§1º e 2º da CF tendo em vista que a União exerceu a competência para legislar sobre o tema por meio do art. 26 e 33, §4º da Lei Federal nº 12.651/12, e, ainda, violação ao princípio da vedação do retrocesso ambiental e o art. 225/CF.
Art. 3º da Lei

nº 20.694/19

Art 3º

XIII – limpeza de área: retirada de vegetação nativa com porte arbustivo e herbáceo,

desde que seja realizada em áreas consolidadas, com ocupação antrópica

preexistente a 22 de julho de 2008, ou que a conversão do uso do solo tenha sido

autorizada ou regularizada pelo órgão ambiental competente; caso a antropização

tenha ocorrido após 22 de julho de 2008, será caracterizada a limpeza de área

quando em área abandonada há mais de 3 (três) anos e, no máximo, 5 (cinco) anos,

ou em área abandonada há mais de 5 (cinco) anos, quando ocupada,

predominantemente, por espécies oportunistas ou invasoras, mediante

comprovação técnica;’’

Alega expansão de maneira abusiva e absolutamente prejudicial ao meio ambiente o conceito de limpeza de área criando, nas mesmas circunstâncias, o conceito de área abandonada, e consequente violação aos arts. 23, VI e VII, art. 24, VI, §§1º e 2º, tendo em vista que a União exerceu a competência para legislar sobre o tema por meio dos art. 26 da Lei Federal nº 12.651/12, e, ainda, viola o princípio da vedação do retrocesso ambiental e o art. 225/CF.
§3º do art. 11, da Lei nº 20.694/19§ 3 o Observado o disposto no parágrafo único do art. 1 o desta Lei, nas hipóteses em que os municípios realizarem procedimentos de licenciamento ambiental com exigências que não atendam os preceitos estabelecidos nesta Lei e seu regulamento ou excedendo requisitos e custos, em relação ao licenciamento ambiental estabelecido pelo Estado de Goiás, o empreendedor poderá optar por solicitar o licenciamento ambiental junto ao órgão estadual de meio ambiente, conforme dispuser regulamento do órgão estadual, ouvido o Conselho Estadual de Meio AmbienteAlega a inconstitucionalidade do §3º do art. 11 por violação aos arts. 23, VI e VII, art. 24, VI, §§1º e 2º da CF/88, tendo em vista que a União exerceu a competência para legislar sobre o tema por meio dos 8º, XIV, 9º, XIV, 15, II e 16 da LC 140/11 e, ainda, viola o princípio da vedação do retrocesso ambiental e o art. 225/CF pois permite o particular optar por licenciamento ambiental “mais fácil”.
§3º do art. 32 da Lei 20.694/19§ 3 o Sem prejuízo do disposto no art. 45 desta Lei, no caso de impactos ambientais negativos e não mitigáveis sobre a fauna silvestre, o órgão ambiental poderá estabelecer a conversão da compensação desses impactos em valores a serem fixados entre 10% (dez por cento) e 20% (vinte por cento) dos valores estabelecidos no Anexo III da Lei n o 21.231, de 10 de janeiro de 2022, que beneficiem instituições públicas ou privadas, sem fins lucrativos, dedicadas a proteção, conservação, pesquisa e manejo de animais silvestres, inclusive quando geridos pelo próprio órgão ambiental licenciador, conforme regulamento do órgão ambiental estadual.Entende que prevê possibilidade de pagamento de valores simbólicos à título de compensação ambiental por danos causados por empreendimentos de alto impacto ambiental licenciados ou até mesmo a sua isenção, violando o art. 225/CFRB88 e o princípio da vedação ao retrocesso socioambiental.

Ao final, pugna pela inconstitucionalidade por arrastamento do §4º do art. 32, também inserido pela norma

impugnada, haja vista que sua única razão de ser foi estabelecer “parâmetros” para os valores de

compensação ambiental estabelecidos pelo §3º do mesmo dispositivo.

Violação ao Regime de Competência Concorrente Estabelecida pelo artigo. 24,

VI, §§ 1º e 2º e competência comum prevista no art. 23, VI e VII da CRFB/88

 O estabelecimento de regras ambientais menos protetivas que as federais por normas estaduais viola frontalmente o regime estabelecido pelo art. 24, VI, §§1º e 2º e art. 23, VI e VII da CFRB/88, pois, como se disse, a legislação que suplementa só pode aumentar a proteção ao meio ambiente, sob pena de se inverter completamente a própria lógica da competência concorrente estabelecida pelo texto constitucional.

 

Dispositivo EstadualDispositivo Federal Violado
art. 26, §5º da Lei 18.104/13Art. 30 da Lei 12.651/12
art. 27, §6º da Lei 18.104/13Art. 15, I da Lei 12.651/12
art. 30, §§2º, 3º e 4º da Lei 18.104/13Art. 66, §§5º e 9º da Lei 12.651/12
art. 50-A, parágrafo único da Lei 18.104/13Art. 26, §§3º e 9º da Lei 12.651/12
art. 3º, XIII e XV da Lei 20.694/19Art. 26 da Lei 12.651/12
art. 11, §3º da Lei 20.694/19Arts. 8, XIV, 9, XIV, 15, II e 16 da LC 140/11