Comprador de área degradada responde pelo dano ambiental: entenda por meio de casos práticos

Na última semana, ao julgar o recurso repetitivo (Tema 1.204), REsp 1.962.089, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) novamente se manifestou sobre o tema responsabilidade civil ambiental e a natureza propter rem das obrigações ambientais.

O entendimento firmado foi de que as obrigações ambientais têm natureza propter rem, além da natureza objetiva e solidária, de modo que o credor pode escolher se as exige do proprietário ou possuidor atual, de qualquer dos anteriores ou de ambos.

A grande novidade, porém, ficou com a disposição final da ementa que cria uma verdadeira exceção a esta regra: ficará isento de responsabilidade o alienante cujo direito real tenha cessado antes da causação do dano, desde que para ele não tenha concorrido, direta ou indiretamente.

Apesar do novo repetitivo seguir, à risca, o entendimento que já estava consolidado na Súmula 623[1] do STJ, a nova disposição veio para tornar mais clara a extensão dessa modalidade de responsabilidade ambiental, que ainda restava um pouco nebulosa. Este novo entendimento consolidado no Tema 1.204 trouxe um pouco mais de luz sobre as extensões da responsabilidade dos antigos proprietários e dos adquirentes de imóveis com passivos.

O objetivo deste artigo é analisar, de forma clara e objetiva, o que o Tema 1.204 trouxe efetivamente de novo e falar sobre suas implicações em casos práticos, comuns às diversas negociações que ocorrem no campo.

A primeira situação prática que merece análise diz respeito aos produtores que, apesar de não terem sido os causadores diretos da degradação ambiental, adquiriram o imóvel e utilizaram-se dessas áreas ilegalmente convertidas. Vale dizer: adquirentes de imóveis – novos proprietários ou possuidores – que, apesar de não terem dado causa aos danos, se mantêm inertes perante a constatação de danos ambientais.

O novo julgado do STJ consolida o entendimento de que a obrigação de reparação dos danos ambientais é propter rem: embora os produtores que adquiriram imóveis com passivos ambientais não tenham dado causa à degradação ambiental, por se beneficiarem desta, podem vir a ser responsabilizados e obrigados a reparar o dano.

Consolidou-se o entendimento de que o atual titular que se mantém inerte em face de degradação ambiental, ainda que pré-existente, também comete ato ilícito, pois a preservação das áreas de preservação permanente e da reserva legal constituem imposições genéricas, decorrentes diretamente da lei. Em outras palavras: quem se beneficia da degradação ambiental alheia, a agrava ou lhe dá continuidade não é menos degradador[2].

Conquanto não se tenha caracterizado o nexo causal entre a degradação e o novo proprietário adquirente, as obrigações ambientais têm natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso da simples transferência de domínio ou posse do imóvel rural.

A segunda situação prática a ser analisada diz respeito à exceção prevista no repetitivo quanto aos antigos proprietários cujo direito real cessou antes da causação do dano ambiental. Nestes casos, o antigo proprietário alienou ou transferiu a posse do imóvel antes mesmo do ato de degradação ambiental; não existindo, assim, nexo de causalidade entre ele e o dano ambiental experimentado no imóvel.

Neste caso, o anterior titular que não deu causa ao dano ambiental ou à irregularidade pode estar nesta condição em duas hipóteses distintas: a primeira é quando o dano é posterior à cessação do domínio ou da posse do alienante; a segunda hipótese é a do anterior titular que conviveu com dano ambiental pré-existente, ainda que a ele não tenha dado causa, alienando, posteriormente, o bem no estado em que o recebera.

Perceba que, apesar de nas duas hipóteses o antigo proprietário não ter ocasionado o dano ambiental, na primeira, ele nunca teve contato com o ato de degradação ou mesmo usufruiu vantagens deste; já na segunda, ele conviveu com o dano por determinado período, apesar de não ter o causado, e ainda desfrutou das consequências deste ato.

Para a primeira situação – antigo proprietário que nunca teve contato com a degradação ambiental –, o entendimento consolidado do STJ foi de que, em regra, ele não pode ser responsabilizado, a não ser que tenha ele, mesmo já sem a posse ou a propriedade, retornado à área, a qualquer outro título, para degradá-la, hipótese em que responderá, como qualquer agente que realiza atividade causadora de degradação ambiental.

Para a segunda situação analisada – do anterior titular que conviveu com dano ambiental pré-existente, ainda que a ele não tenha dado causa –, o entendimento consolidado nessa hipótese é de que não há como deixar de reconhecer a prática de omissão ilícita, de acordo com a jurisprudência do STJ, que – por imperativo ético e jurídico – não admite que aquele que deixou de reparar o ilícito, e eventualmente dele se beneficiou, fique isento de responsabilidade.

Sintetizando o entendimento: o anterior titular só não estará obrigado a reparação do dano ambiental quando comprovado que não causou o dano, direta ou indiretamente, e que este é posterior à cessação de sua propriedade ou posse.

Com a consolidação dessas novas perspectivas vindas do STJ, as implicações nas diversas relações do campo devem ser observadas, sobretudo para dar maior segurança jurídica aos negócios jurídicos envolvendo alienação e arrendamento de propriedades rurais.

No que tange às aquisições de imóveis rurais, é imprescindível uma análise pormenorizada do histórico de exploração do imóvel negociado, bem como deixar bastante claro nas disposições contratuais a existência (ou não) de passivos ambientais, bem como a distribuição da responsabilidade contratual de cada parte no negócio.

Apesar do desmatamento ilegal ser um dos principais passivos ambientais presentes no campo, é importante esclarecer aos produtores rurais que existem diversos tipos de passivos, cada qual com consequências diferentes para fins de regularização e de reparação do dano, como, por exemplo: contaminação de solo, armazenamento inadequado de resíduos sólidos e embalagens de agrotóxicos, contaminação de ar e águas superficiais e subterrâneas, instalação e operação de empreendimentos sem o prévio licenciamento, entre outros.

Conclui-se, portanto, que se torna ainda mais evidente a importância de estratégias jurídicas aplicadas ao agronegócio, como a realização prévia de Due Diligence Ambiental quando da aquisição de imóveis rurais, bem como o efetivo Planejamento Ambiental para a exploração de propriedades.

[1] Súmula 623 – STJ: “As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor”.

[2] STJ, REsp 948.921/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 11/11/2009