O cenário pandêmico como distinguishing jurisprudencial perante a Justiça do Trabalho

Na coluna desta semana, o tema abordado será cenário pandêmico como distinguishing jurisprudencial perante a Justiça do Trabalho. Quem falará sobre a temática é colega Leopoldo Siqueira Múndel. Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás, é pós-graduado em Direito do Trabalho pela Universidade Federal de Goiás (UFG), professor e Diretor do Instituto Goiano de Direito do Trabalho (IGT), vice-presidente da Comissão de Direito do Trabalho da OAB-GO nos triênios 2016/2018 e 2019/2021.

Confira o texto:

Leopoldo Siqueira Múndel

“Para toda regra existe uma exceção”. No Direito, essa expressão popular é conhecida como “Distinguishing”. 

O distinguishing é a prática de não aplicar dado precedente vinculante por se reconhecer que a situação sub judice (aquela que se está julgando imediatamente) não se encarta e distingue-se dos parâmetros de incidência do precedente.

No Direito do Trabalho, a irregularidade nos recolhimentos do Fundo de Garantia Por Tempo de Serviço (FGTS) é fato que sustentou o deferimento de pedido de rescisão indireta em milhares de Reclamações Trabalhistas.

No âmbito dos atletas profissionais, as Reclamações Trabalhistas com pedido de rescisão indireta por ausência de recolhimento do FGTS receberam muita visibilidade permitindo que os atletas rescindissem o vínculo empregatício com determinada entidade desportiva, ficando livres para serem contratados por entidade desportiva diversa.

Em outras palavras, a jurisprudência trabalhista sempre considerou a irregularidade no recolhimento do FGTS como falta grave suficiente para justificar a rescisão indireta do contrato de trabalho.

Mas como é sabido, toda regra possui uma exceção.

O cenário pandêmico foi muito cruel para determinados segmentos empresariais. Milhares de empresas não resistiram e fecharam as portas. Aquelas que permaneceram abertas, tiveram que se superar em todos os sentidos para manter os postos de trabalho e cumprir as obrigações trabalhistas.

Em algumas ocasiões, o pagamento de salário virou prioridade e o cumprimento de todas as obrigações trabalhistas passou a ser um “luxo”, dentre elas o regular recolhimento do FGTS. Por conta do caos financeiro provocado pela pandemia, milhares de empresas privilegiaram o pagamento de salários, férias, dentre outros direitos trabalhistas capazes de amparar com maior eficiência as necessidades dos trabalhadores.

Por falta de recursos financeiros, nem sempre foi possível conciliar o pagamento de salários com o recolhimento fundiário, ficando este de lado principalmente durante o período de lockdown.

Atento a este cenário vivido pelas empresas, a 1ª Turma do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região, no julgamento do Recurso Ordinário n. 0010904-10.2020.5.18.0016, entendeu que, durante o cenário pandêmico, a mera irregularidade no recolhimento do FGTS não representa falta grave o suficiente para sustentar a rescisão indireta do contrato de trabalho.

Entendeu-se que o contexto sócio-econômico gerado pela pandemia distingue-se do cenário que consolidou o entendimento jurisprudencial de que a falta de recolhimento do FGTS sustenta, por si só, a rescisão indireta do contrato de trabalho.

Aplicou-se o distinguishing jurisprudencial dadas as consequências sociais e econômicas sofridas pelas empresas e que exigiram um esforço de toda a sociedade “num momento gravíssimo de crise sanitária que enfrentamos”, pontuou o Desembargador Relator Gentil Pio de Oliveira.

Mas é bom lembrar que trata-se apenas de uma exceção. Sem dúvida que, fora da pandemia, a mera ausência de recolhimento do FGTS continuará justificando a rescisão indireta do contrato de trabalho por se tratar de um dano social que emerge dessa conduta empresarial.