A colega Karine Domingues vai escrever nesta quarta-feira (28) sobre os desconto dos prejuízos causados pelo empregado, por ato ilícito, nas verbas rescisórias. Ela ém estre em direito das relações sociais e trabalhistas, advogada trabalhista, professora de Direto do Trabalho em cursos de graduação e pós graduação.
Leia a íntegra do texto:
A Limitação de desconto nas verbas rescisórias é um tema antigo, o qual consta na CLT desde a sua publicação, em 1943, entretanto, é constantemente revisitado pelos Tribunais Trabalhistas, os quais recebem demandas relacionadas ao que é possível descontar do empregado no momento da rescisão contratual, bem como o valor do referido desconto, embora a limitação já conste da lei.
O tema é tratado no artigo 477, §5º da CLT, o qual preceitua que o limite máximo para desconto das verbas rescisórias é o valor da última remuneração do empregado, não delimitando especificamente a natureza dos valores a serem descontados do acerto rescisório.
Em não havendo especificação na lei dos descontos permitidos o entendimento, por aplicação literal da lei, é que, independentemente da dívida do empregado para com o empregador, a cobrança nas verbas rescisórias somente poderia ser equivalentes a um salário contratual do empregado. Assim, caso o prejuízo suportado pelo empregador seja superior ao referido valor, o empregador necessitaria ingressar com ação judicial própria para reaver os prejuízos suportados.
Na prática, a análise das dívidas passíveis de desconto na rescisão contratual utiliza como parâmetro o artigo 462 da CLT, o qual estabelece quais tipos de descontos podem ser feitos do salário mensal do empregado, podendo ser as mesmas rubricas descontadas nas verbas rescisórias.
Importante observar que em razão do princípio da intangibilidade salarial, o salário não pode sofrer descontos. No entanto, o artigo 462 da CLT, traz algumas exceções, quais sejam: previsão em lei, como, por exemplo, contribuições ao INSS e IR; previsão em norma coletiva, como o desconto de contribuição associativa; adiantamento salarial; ou desconto por dano causado pelo empregado à empresa.
Em relação ao dano, se houver dolo, ou seja, intenção do empregado em causar o dano, o desconto pode ser efetuado independentemente de acordo entre as partes, desde que esteja o empregador devidamente munido de provas do ato ilícito do empregado.
No entanto, se o prejuízo causado ao empregador for por culpa, mesmo que por negligência, mas independente de sua vontade, só será lícito o desconto se houver previsão expressa no contrato de trabalho acerca de tal possibilidade, observando-se que o empregado deve receber pelo menos 30% do salário mínimo em dinheiro, conforme previsão do artigo 82,§ único da CLT.
Em relação aos valores dos débitos contraídos pelo trabalhador que estão amparados por lei ou negociação coletiva, ou ainda quando o dano for causado independentemente da sua vontade, não restam dúvidas sobre a limitação do desconto no Termo de Rescisão do Contrato e Trabalho (TRCT), que é no valor de um salário contratual, sendo esse o posicionamento pacífico dos Tribunais trabalhistas.
No entanto, em havendo atos ilícitos por parte do empregado, o qual por intenção causou prejuízos ao patrimônio do empregador, como por exemplo, por furto devidamente comprovado, não parece legítima a limitação dos descontos em verbas rescisórias, uma vez que tal prática estaria dando guarida para atos ilícitos, o que por certo não é a intenção do legislador.
Consequentemente, se o ato ilícito, realizado com intenção do empregado, causou prejuízo ao empregador, é coerente que possa haver dedução do valor integral do dano causado, mesmo que nas parcelas rescisórias, sem limitação ao valor de um salário contratual do empregado.
Importante ressaltar que esse entendimento não está consubstanciado na legislação, mas algumas decisões judiciais já caminham nesse sentido, observando princípios do direito, tais como a proibição do enriquecimento ilícito, não devendo a lei, nem a justiça, beneficiar aquele que por conta própria, a partir de um ato ilícito, causou prejuízo ao empregador.
Se assim fosse o empregador seria penalizado duas vezes, uma pelo próprio prejuízo sofrido e a outra por ter que demandar judicialmente em ação própria para reaver seu prejuízo, sendo que o valor poderia ser descontado diretamente dos valores devidos ao empregado em sede de rescisão contratual, havendo, inclusive, economia processual.
Ressalta-se que a possibilidade desse desconto é para casos em que restar claro que o prejuízo foi causado intencionalmente, como por exemplo o furto comprovado ao caixa da empresa, pois de forma diversa o empregado poderia litigar, com possibilidades de ganho de causa, contra o empregador para reaver o valor indevidamente descontado e superior ao legalmente permitido.
Em decisão recente o TRT da 10ª região (Proc. RO-0000627-34.2018.5.10.0013, DEJT de 04.09.2020) entendeu nesse sentido ao julgar um desconto superior ao salário em um caso onde o empregado foi demitido por justa causa por ato de improbidade, julgando legítimo tal desconto. No entanto, cada caso concreto deve ser analisado isoladamente para que o desconto superior ao permitido em lei não obrigue o empregador a devolver os valores ilegitimamente descontados.