O dano moral extrapatrimonial e a aparente inconstitucionalidade do Título II-A

A colega Ana Paula Fleuri de Bastos vai escreve hoje sobre o dano moral extrapatrimonial e a aparente inconstitucionalidade do Título II-A da da Consolidação das Leis do Trabalho. A advogada é especialista em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho, Direito Agrário e Ambiental. Mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas pela UDF sob a orientação do Ministro Mauricio Godinho Delgado. Coordenadora do curso de pós graduação em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho no IGD. Professora de Direito na UFG, Uni-Goiás e Instituto Goiano de Direito.

Leia a íntegra do texto:

Ana Paula Fleuri de Bastos

A Lei 13.467/2017, uma vez estabelecida na legislação brasileira, trouxe, aos olhos de uma parcela significativa de intérpretes e atores sociais, um cenário jurídico de insegurança e fragilidade no âmbito laboral.

Nesse sentido, a vertente que se defende é que não houve, por parte dos legisladores, um “sentir social” com as mudanças na legislação, a qual denota que tal aprovação ocorreu num contexto político tenso em que o país estava com todo o cenário político fragilizado.

Não obstante essas modificações de natureza extrema que deixaram os operadores do Direito com uma sensação de desconforto em face de uma questionável inconstitucionalidade de inúmeros dispositivos, a chamada flexibilização das normas fora introduzida em uma sociedade, muito provavelmente, não preparada para tais mudanças.

Nesse ínterim, abordamos aqui a inclusão do Título II-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) (danos extrapatrimoniais) – uma inovação trazida pela lei em especial por seus arts. 223-A a 223-G da CLT – trazendo reflexões e diversas críticas, uma vez que, em vários pontos verifica-se o caráter excludente e limitativo, ferindo preceitos constitucionais e o direito de personalidade do empregado.

Observa-se, então, que a reparação moral precisa ser observada por inúmeros ângulos, principalmente tendo uma visão constitucional, posto que a violação do direito de personalidade gera a reparação por tratar de direito irrenunciável e indisponível que atinge a personalidade do indivíduo. Ainda se percebe que, no art. 1º da Constituição Federal de 1988, é assegurada a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito.

Ora, se o Estado Democrático de Direito, tem por fundamento a dignidade da pessoa humana, não pode então ser objeto de emenda constitucional que venha a reduzir as garantias individuais ali tratadas (art. 60, § 4º, IV) que ostentam natureza pétrea.
Nesse esteio, os direitos de personalidade pertencem ao rol de direitos absolutos, porque são subjetivos e exercitáveis contra todos, outorgando ao seu titular a faculdade de opô-los a toda e qualquer pessoa.

À vista disso, a Constituição Federal de 1988 trouxe a segurança no sistema jurídico nacional acerca do instituto de ordem moral, garantindo o direito de reparação, padronizando de certo modo as jurisprudências e conscientizando a sociedade em todos os campos jurídicos, inclusive o de ordem laboral, àqueles que ferem o direito de personalidade de outrem detêm da obrigação de indenizar.

Dentro desse contexto, a inserção do art. 223-A da Lei 13.467/2017 tentou, de modo isolado, excluir a interpretação no contexto normativo geral – a Constituição Federal, o Código Civil e normas supralegais –, objetivando claramente a exclusão dos trabalhadores e a fragilização do aspecto pedagógico/punitivo do instituto de reparações morais.

O que se espera-se do julgador, portanto, é a análise racional, no contexto geral, respeitando as regras externas e lógica jurídica da CLT (art. 8º, caput e § 1º da CLT), porque o entendimento isolado do dispositivo fere mortalmente o direito de personalidade do trabalhador.

Vale observar, também, que a proteção da dignidade humana, da honra e da imagem do homem está na Declaração Universal dos Direitos do Homem proclamada pela Resolução 217, de 10 de setembro de 1948, pela Assembléia Geral das Nações Unidas (ONU), da qual o Brasil é país signatário.

A propósito, o art. XII da referida Declaração Internacional proíbe tanto a interferência na vida privada, na família, no lar quanto a correspondência e ataques à honra e reputação, dando ao homem a proteção legal em caso de interferências e ataques.

É importante analisar que o Título II-A da CLT, entre outras lacunas, ainda demonstra que há um rol exaustivo dos “bens juridicamente tutelados a pessoa física” (art. 223-C da CLT).No entanto, logicamente pela análise racional, tal regra deve ser apenas de caráter meramente exemplificativo, até mesmo porque a Constituição Federal de 1988, em seu art. 3º, IV, inclui outras formas de discriminação.

Ainda assim, a tarifação da indenização por dano extrapatrimonial (art. 223-G, § 1º, I a IV, da CLT) afasta critérios constitucionais, visto que os parâmetros de indenização por dano moral (art. 5º,V, da CF/88) são definidos pelo próprio julgador de modo subjetivo e de acordo com a gravidade da lesão em cada caso concreto. Nesse contexto, a absolutização do tarifamento não deve ser levada apenas como parâmetro único de fixação pelo magistrado, já que deve ser levado em conta, sempre, o princípio da proporcionalidade e razoabilidade.

Nesse contexto, vários foram os dispositivos legais que mencionam a reparação moral, amparados, assim, nos preceitos constitucionais até a inserção do Título II-A em 2017. O dispositivo constitucional (art. 5º, V e X) deixa claro que não há, no ordenamento jurídico, nenhuma dúvida ou lacuna interpretativa acerca do instituto de ordem moral após a Constituição Federal de 1988.

Por ora, o próprio Código Civil de 2002 dispõe claramente que quem comete ato ilícito viola direito de terceiro (art. 186 CC). Complementa ainda, em seu art. 927: “Aquele que, por ato ilícito (arts.186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

Ora, mesmo com toda a riqueza das normas, não se pode esquecer que a interpretação de cada caso concreto é de natureza essencial pelo operador do direito, uma vez que é necessário o diálogo das normas para a segurança jurídica.

Nesse diapasão, o art. 8º da CLT, em seu caput, não passou por nenhuma modificação com a reforma trabalhista. Logo, em uma simples análise desse artigo, resta claro que o julgador, na falta de disposições legais ou contratuais, poderá decidir ainda por jurisprudência, analogia, equidade, princípios e normas de direito, Direito Comparado e usos e costumes.

Nesse esteio, permite-se a análise da responsabilidade civil e sua aplicabilidade de ordem moral em face do novo regramento jurídico. O respeito aos princípios da dignidade da pessoa humana e da justiça social no Estado Democrático de Direito e principalmente nos campos de ordem constitucional e do Direito Internacional é a comprovação de que a inserção do Título II-A da Lei 13.467/2017 não pode ser analisado isoladamente, ainda mais diante de perceptível inconstitucionalidade nas alterações legais que trataram do tema.