Em que medida o Programa Compliance pode influenciar o ambiente de trabalho?

Na coluna desta terça-feira (11), a colega Karine Aparecida de Oliveira Dias Eslar fala um pouco sobre como o  o Programa Compliance pode influenciar o ambiente de trabalho. Ela é advogada com formação e experiência em direito empresarial, especialista em compliance e LGPD, com certificação pela UCEMA –Universidad del Cema – Buenos Aires – Argentina e com certificação de formação em DPO pela Tradius. Mestre em Direto, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Possui curso de interpretação das normas ISO 19600 e 37001 pela Bureau Veritas/IEL e Curso em compliance pelo INSPER. 

Karine também é professora do curso de pós-graduação em compliance do ITH, da PUCGO e da FDV e de cursos de extensão da PUC-GO em compliance e lei anticorrupção. Palestrante sobre temas legais e compliance, tendo ministrado aulas de direito na Faculdade Cambury, unidade Goiânia, bem como na Universidade de Buenos Aires – UBA para o curso de tradutor público em língua portuguesa. Especialização latu sensu em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Direito Previdenciário pela PUC/Goiás. Exerceu a Presidência da Comissão da Mulher Advogada da OAB/GO na gestão 2010/2012. Foi conselheira do Conselho Estadual da Mulher/GO. 

Leia a íntegra do texto:

Karine Aparecida de Oliveira Dias Eslar

Resumo: O ambiente de mercado vem demandando das empresas a implantação de programas de compliance, especialmente em decorrência e por força de leis que instituíram a ideia da empresa limpa e da mitigação ao dano reputacional para o negócio. A mitigação do dano encontra respaldo, principalmente, no estabelecimento de controles internos e no monitoramento das atividades cotidianas dos colaboradores. Nesse sentido, na caminhada pela implantação de um programa de compliance que comporte regras de comportamento ético e controles internos, muitas organizações se questionam como projetar condições de trabalho que atendam os seus objetivos sem representar potencial conflito entre os interesses profissionais e pessoais no ambiente do trabalho. Além disso, estudos recentes demonstram que o teletrabalho, ou home office, chegou para ficar. Então, planejar medidas de crescimento e cumprimento de metas em um ambiente de trabalho que passa por tantas transformações vem sendo a tarefa árdua de muitos consultores e gestores na atualidade. Há de se ter muita criatividade para tratar um mercado tão volátil e sensível como o atual, prova disso é o recente movimento experimentado nos Estados Unidos da América, em que inúmeros jovens estão deixando seus empregos tradicionais para trabalharem por sua conta e risco, mediante a afirmação de busca pelo equilíbrio entre a qualidade de vida e o sucesso profissional. Como sopesar essas questões tem sido um grande desafio, especialmente neste período em que a humanidade vem vivenciando a experiência de conviver com uma forte pandemia que mexeu com a economia mundial e os conceitos de segurança e estabilidade na relação de trabalho e emprego.   

Palavras-Chave: Compliance, Relação de trabalho e emprego, Nova realidade mercadológica.

INTRODUÇÃO

Pode parecer clichê afirmar, mas a pandemia do Coronavírus realmente trouxe uma nova visão pessoal e profissional sobre os relacionamentos humanos. No âmbito da relação envolvendo o trabalho e emprego, tal fato se dá principalmente porque devido ao distanciamento social obrigatório, muitas pessoas passaram trabalhar de suas casas, o que ocasionou também um distanciamento interpessoal.

O chamado trabalho remoto, teletrabalho ou home office, inicialmente, não resultou de fácil compreensão para muitos trabalhadores, especialmente porque o uso da tecnologia se fez difícil dentre os de mais idade.

Por outro lado, as empresas vivenciarem essa novel experiência, muitas, inicialmente, desconfiando dos resultados e da qualidade do trabalho remoto, contudo, após verificarem que não houve qualquer prejuízo, essa realidade tem se mostrado cada vez mais do agrado de grande parte dos trabalhadores e organizações.[1]

São diversos os motivos pelos quais o trabalho remoto tem sido aceito e incentivado, dentre eles, houve a considerável diminuição nos gastos com imensas estruturas físicas de escritórios e organizações, diferença de caixa que saltou aos olhos do empresário já tão sobrecarregado com as cargas tributárias.

Nessa nova realidade, o home office também pode representar um salto na qualidade de vida dos colaboradores, mas não nos enganemos, o mesmo teletrabalho também pode ocasionar a sobrecarga, o stress e a depressão. A diferença entre o remédio e o veneno é a dosagem da droga.

Para que o medicamento não se torne um veneno será necessário criar estruturas e modelos corporativos que consigam influir, repensar e otimizar as relações humanas fora do ambiente de trabalho físico.

Ter um programa de compliance bem estruturado e que comporte um conjunto de medidas e diretrizes estabelecidas para pensar as atividades corporativas fora do ambiente físico de trabalho pode, sem sobra de dúvidas, facilitar esse período de transição semipermanente e promover o bem-estar no trabalho e na vida pessoal.

MUDANDO O PARADIGMA

Durante muitos anos as organizações tiveram que lidar com grandes infraestruturas para comportar colaboradores, equipamentos, máquinas e insumos, realidade que vem mudando ao longo dos anos.

A estrutura inchada, lenta e custosa vem sendo substituída pela prestação de serviços de consultores pontuais que trabalham por projetos e com prazos e metas estabelecidos. A aquisição de ferramentas de trabalho, edifícios e ativos em geral vem sendo substituída pelos centros de trabalhos compartilhados e aluguéis de máquinas e equipamentos. Até a aquisição de insumos vem passando por alterações. O que antes era adquirido em larga escala, para compor condições de preço, agora está sendo substituído por compras pontuais que levam em conta a qualidade e a marca do produto adquirido.

Os contratos de trabalho com carteira assinada, com garantia de indenização pelo término inesperado vem sendo substituídos por contratos temporários, projetos específicos para a prestação de serviços, seguros e multas contratuais na ocorrência de rescisão antecipada.  

O fenômeno das fintechs e startups também surgiu como uma importante mudança no mindset empresarial. Ainda assim, a demanda por procedimentos, monitoramento e cumprimento de metas, vem demandando ações de controle em razão da amplitude do caráter competitivo que essas novas empresas vêm promovendo no mercado.

Nessa seara, a implantação de programas de compliance para fins de cumprimento a legislação também tem levado em conta um alto custo para pouca efetividade imediata, com isso, criar regras e normas com o foco específico de atender uma legislação e viabilizar a adjudicação de objetos licitatórios representa ser uma medida contraproducente.

Além de atender a legislação, a empresa pode e deve tirar proveito do efeito positivo e virtuoso que o programa de compliance representa para o negócio.

Esse efeito positivo pode ser consubstanciado na melhora do nível de experiência que a empresa entregará ao seu colaborador se incorporar medidas que assegurem qualidade às atividades cotidianas, especialmente quando essas atividades são executadas fora do ambiente físico da empresa.

Promover condições para que os colaboradores contem com saúde emocional no ambiente do trabalho virtual é tão importante quanto fazê-lo no âmbito físico, por isso, contar com políticas de incentivo a realização de atividades de mentoria, exercícios físicos e cuidados com a saúde mental pode ser um grande diferencial competitivo.

A caminhada, portanto, não está na mão única, é uma via de mão dupla, em que a empresa promove a implantação de um programa de compliance que comporte regras de comportamento ético, estabeleça controles internos, monitoramento, mapeamento de riscos e estabelecimento de metas para o cumprimento de seus objetivos, mas que também promova bem-estar, sentimento de pertença e valorização profissionais.

Dessa forma, se por outro lado, a implantação de normas de compliance restringem acessos, conduzem condutas no caminho ético e promovem controles, por outro, podem incentivar o crescimento pessoal e profissional do indivíduo promovendo atividades individuais e coletivas que visem a mentoria e orientação dos trabalhadores a fim de alcançar o equilíbrio entre ambas as relações.

O grande diferencial das organizações atuais que entendem a importância desta mudança de paradigma, está na sensibilidade em entender, prover e direcionar os anseios profissionais e pessoais de seus colaboradores na busca do tão sonhado equilíbrio entre vida pessoal e o sucesso profissional.

Ao fazer isso, uma organização ganha na qualidade de profissionais comprometidos com o negócio, reduz o turnover, motiva e alinha expectativas.

Pesquisa recente promovida pela ISMA Brasil (International Stress Management Association) aponta que 09 em cada dez brasileiros apresentam algum sintoma de ansiedade relacionado ao trabalho.[2] A ansiedade e a depressão são duas consequências oriundas da sobrecarga de trabalho e do stress, as quais, por sua vez, estão ligadas às condições de trabalho sob pressão.

O ambiente insalubre do ponto de vista emocional também está associado à falta de engajamento e absenteísmo.

Ao contrário do que podem crer muitas organizações, fazer parte de um ambiente de extrema competitividade e que estabelece metas inatingíveis, é caminhar para o insucesso. No início a cobrança pode até gerar resultados, mas a médio e longo prazo, o desgaste e descontentamento da equipe serão inevitáveis, o que pode convolar em demandas judiciais, inclusive.

Já as empresas que apostam em metodologias como um programa de qualidade no ambiente de trabalho para gerenciar o comportamento dos colaboradores, a produtividade das equipes e implementar culturas organizacionais saudáveis, vem colhendo resultados maiores e melhores.[3]

A Great Place to Work, organização global de pesquisa e consultoria, divulga anualmente, os rankings das melhores empresas para trabalhar em todo o mundo. Em 2021, a consultoria destacou as grandes alterações tecnológicas pelas quais o mundo vem passando, bem como, a chegada no mercado, em grande escala, das startups e fintechs, as quais vem movimentando os negócios mundiais, sem, contudo, reconhecer que: “Um bom ambiente de trabalho é aquele que é reconhecido como o melhor pelos seus colaboradores, priorizando as pessoas no centro de suas estratégias.”[4]

Desta forma, um programa de compliance, para além de estabelecer metas, criar controles, mapear riscos, investigar, reportar, denunciar e punir, não pode estar dissociado da necessidade de olhar para dentro do negócio. Olhar e efetivamente ver o colaborador como parte imprescindível no processo de construção do sucesso empresarial.

CONCLUSÃO

Os critérios estabelecidos pelos programas de compliance, portanto, não podem servir para oprimir e gerar um ambiente de trabalho insólito.

As normas e controles devem servir para que a gestão do negócio contemple a otimização na utilização dos recursos, mitigue riscos e comprometa a todos com os padrões de ética e transparência.

Desta forma, o olhar para dentro promoverá melhoria no desempenho da empresa, aumento de produtividade, satisfação dos trabalhadores e clientes e superação dos desafios.

Nesse sentido, os programas de compliance possuem, portanto, um papel fundamental na construção de políticas e condições de trabalho que ocasionem a tão sonhada qualidade de vida pessoal e profissional.

[1] Fonte: https://valorinveste.globo.com/objetivo/empreenda-se/noticia/2020/04/14/home-office-deve-crescer-30percent-apos-crise-de-coronavirus-aponta-fgv.ghtml. Acesso em 06.01.2022.

[2] Fonte: https://www.pontotel.com.br/qualidade-de-vida-no-trabalho/. Acesso em 07.01.2022.

[3] Fonte: https://www.maioresemelhores.com/melhores-empresas-para-trabalhar-no-brasil/. Acesso em 07.01.2022.

[4] Fonte: https://gptw.com.br/conteudo/artigos/great-place-to-work-brasil-comemora-25-anos-revelando-as-150-melhores-empresas-para-trabalhar-no-brasil-2021/. Acesso em 07.01.2022.