Dia Nacional da Consciência Negra é feriado?

Essa semana, o Brasil comemora em 20 de novembro o Dia Nacional da Consciência Negra. A data homenageia Zumbi dos Palmares, que nasceu livre, mas foi escravizado aos seis anos de idade e simbolizou a luta do povo negro contra a escravidão. A data foi oficializada por uma lei aprovada pelo Congresso (Lei 12.519/2011) – e a partir daí muita gente se pergunta se esse dia é ou não é feriado. Que tal entender de vez esse imbróglio?

Em primeiro lugar, é importante separar o que é feriado e o que é o dia denominado de “ponto facultativo”. O “ponto facultativo” é usualmente utilizado pela administração pública para dispensa do empregado de registro de ponto em um determinado dia específico – o que, na prática, acaba gerando o efeito de “feriado”, pois regra geral as pessoas não vão trabalhar nesse dia. É importante lembrar que esse “ponto facultativo” e dias especiais que liberam os funcionários públicos (como o dia do funcionário público, por exemplo) não tem qualquer relação com o tema que está sob análise, que são os feriados em geral, aplicados à iniciativa privada e não apenas ao serviço público, com suas regras próprias e especificidades.

Para entender direito essa história (ou o direito e sua história), que tal “começar do começo”? A Constituição Federal traz no artigo 22, I a previsão de que é “compete privativamente à União legislar sobre: I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho”. Isso significa que somente a União (ou seja, o Congresso Nacional, composto pelos Deputados Federais e Senadores) pode legislar a respeito do feriado, estabelecendo o que seria feriado ou não. E a União o fez. São diversos os textos legais que foram estabelecidos no decorrer da história para tratar do tema. O mais antigo em vigência é a Lei 605, de janeiro de 1949 – mais conhecida como a Lei do Descanso Semanal Remunerado.

Nessa lei é que se estabeleceu que os empregados teriam direito ao descanso ou remuneração em dobro nos feriados. Logo após, em abril de 1949, foi estabelecida a Lei 662/49, que previa inicialmente como feriados nacionais os dias 1º de janeiro, 1º de maio, 7 de setembro, 15 de novembro e 25 de dezembro. Posteriormente diversos textos legislativos modificavam a referida lista, incluindo feriados e criando regras a respeito (a qual teve sua última atualização pela Lei 10.607/2002 – apesar disso, ainda nos referimos, sempre que vamos falar do assunto, à Lei 662/49, uma vez que assim fazemos no direito quando uma lei apenas altera trechos de outra – é o caso da Reforma Trabalhista, por exemplo, apesar dela ser a Lei 13.467/2017, o que ela fez foi alterar diversos dispositivos legais, entre eles alguns artigos da CLT, então usualmente continuamos citando a CLT, que tinha seu texto original datado de 1942 mas que praticamente todos os anos sofre modificações).

Finalmente, no ano de 1995 foi editada a Lei 9.093/95, que passou a ser o norte balizador do assunto, sem excluir a vigência da tradicional Lei 662/49. O texto legal é simples e direto, com apenas quatro artigos, valendo trazer ele na íntegra:

Art. 1º São feriados civis:

I – os declarados em lei federal;

II – a data magna do Estado fixada em lei estadual.
III – os dias do início e do término do ano do centenário de fundação do Município, fixados em lei municipal.

Art. 2º São feriados religiosos os dias de guarda, declarados em lei municipal, de acordo com a tradição local e em número não superior a quatro, neste incluída a Sexta-Feira da Paixão.

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 4º Revogam-se as disposições em contrário, especialmente o art. 11 da Lei nº 605, de 5 de janeiro de 1949.

Como se percebe, além de classificar os feriados em civis ou religiosos, ainda se estabeleceu que os feriados civis federais são somente os dias indicados na Lei 662/49, quais sejam:

  • 1º de janeiro → (Confraternização Universal – Ano Novo);
    • 21 de abril → (Tiradentes);
    • 1º de maio → (Dia do Trabalho);
    • 7 de setembro → (Independência do Brasil);
    • 12 de outubro → (Nossa Senhora Aparecida);
    • 2 de novembro → (Finados);
    • 15 de novembro → (Proclamação da República); e
    • 25 de dezembro → (Natal).

Como se percebe, não há dúvidas de que o Dia Nacional da Consciência Negra não é um feriado nacional. Necessário, no entanto, verificar se não seria o caso de ser um feriado estadual, afinal o inciso II do artigo 1º dessa lei também prevê que é feriado civil a “data magna do Estado fixada em lei estadual”.

Sem adentrar na polêmica de cada Estado a respeito do número de feriados e as diversas Ações Diretas de Inconstitucionalidade a respeito, fato é que apenas em algumas localidades existe a previsão de que o Dia Nacional da Consciência Negra é feriado estadual, Alagoas, Amazonas, Amapá, Mato Grosso e Rio de Janeiro são os Estados que aprovaram leis que determinam o feriado de 20 de novembro. Aqui no Estado de Goiás temos como data magna do Estado o dia 24 de outubro (que também é a data de lançamento da Pedra Fundamental de Goiânia), estabelecida pela Lei Estadual de Goiás n. 10.460/1988.

Mas se não é feriado estadual ou feriado, poderia o Dia Nacional da Consciência Negra ser um feriado municipal? A resposta é simples: claro que sim, mas para isso é necessário haver uma legislação devidamente aprovada e prevendo essa data expressamente. O inciso III do mesmo art. 1º da Lei 9.093/95 prevê que também são feriados civis os “os dias do início e do término do ano do centenário de fundação do Município, fixados em lei municipal” – o que definitivamente não coincide com o Dia Nacional da Consciência Negra, salvo uma coincidência de calendário muito específica).

A grande questão, contudo, está no artigo 2º da Lei em questão – que diz: “São feriados religiosos os dias de guarda, declarados em lei municipal, de acordo com a tradição local e em número não superior a quatro, neste incluída a Sexta-Feira da Paixão”. Isso quer dizer que cada município do país pode criar, a seu livre dispor, três feriados, uma vez que a “Sexta-Feira da Paixão” é obrigatoriamente prevista em Lei Municipal.

Pois bem, em cada município do país, é necessário analisar se entre os três feriados municipais está previsto o dia da Consciência Negra – e na grande maioria dos municípios do país não está. Como exemplo, pego aqui a cidade que resido (Goiânia, capital do Estado de Goiás) onde há uma verdadeira confusão de Leis esparsas delimitando feriados! Vamos analisá-las uma a uma.

A primeira delas é Lei Municipal de Goiânia n. 100 de 11 de dezembro de 1951, que todos dizem estabelecer o feriado de Corpus Christi. É bom ressaltar que a Lei Municipal em questão “dispõe sobre o horário para funcionamento, no Município, dos estabelecimentos comerciais”. O art. 3º da referida lei diz:

Art. 3º São dias santos de guarda, para os efeitos previstos nesta lei:
a) sexta-feira da paixão;

  1. b) corpus christi.

Sem entrar na polêmica de que a previsão legislativa era expressamente para os efeitos previstos na lei – que estabelece especificamente o horário de funcionamento do comércio, não sendo aplicável, em tese, para quaisquer outras categorias (como a indústria, por exemplo) – temos que restaram definidos esses dois feriados na legislação municipal.

A Lei Municipal de Goiânia 701, de 30 de agosto de 1956 traz mais dois feriados:

Art. 1º São considerados feriados municipais, os dias 24 de maio e 30 de outubro, Dia da Nossa Senhora Auxiliadora e Dia dos Comerciários, respectivamente.

Com isso estariam supridos todos os feriados municipais de Goiânia, sendo eles: sexta-feira da paixão, corpus christi (datas móveis), Nossa Senhora Auxiliadora (24 de Maio) e dia dos comerciários (30 de outubro).

Ocorre que o Município de Goiânia ainda estabeleceu um quinto feriado, por meio da Lei Municipal de Goiânia n. 6.989 de 19 de junho de 1991, que diz:

Art. 1º Fica declarado feriado municipal o dia 24 de outubro, data consagrada ao lançamento da pedra fundamental de Goiânia, Capital do Estado de Goiás.

Art. 2º Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogando as disposições em contrário.

E, como se não bastasse, ainda foi promulgada em Goiânia a Lei 8.786, de 17 de abril de 2009, instituí feriado municipal o dia 20 de novembro – Dia da Consciência Negra. E temos criado o sexto feriado na cidade de Goiânia – como fica?

Após a aprovação da lei, o então prefeito, vetou o projeto por vício de inconstitucionalidade – mas esse veto foi derrubado pela Câmara e a lei foi promulgada e publicada no Diário Oficial no dia 28 de abril de 2009.

Ocorre que o 2012 o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás declarou inconstitucional a referida lei. À época, o Ministério Público Estadual entendeu que a lei era inconstitucional em razão o município de Goiânia não poder criar mais do que os quatro feriados autorizados pela lei federal. Em decorrência disso, pleiteou liminarmente junto ao Tribunal de Justiça do Estado sua declaração de inconstitucionalidade – sendo deferida a medida.

O assunto ficou pacificado então, não sendo considerado no município de Goiânia, feriado no dia Nacional da Consciência Negra. Os feriados municipais que são praticados em Goiânia são: Sexta-feira da Paixão; Corpus Christi; Dia de Nossa Senhora Auxiliadora (Padroeira de Goiânia), 24 de maio; Lançamento da Pedra Fundamental Aniversário de Goiânia, 24 de outubro. Essa é a análise que deve ser feita em cada um dos municípios para saber os dias de efetivo feriado.

Enquanto isso, na cidade de Goiânia, em que pese a declaração de inconstitucionalidade da a Lei 8.786/2009, novamente a câmara dos vereadores de Goiânia retornou ao assunto. A Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJ), no dia 03 de junho de 2020, contrariando parecer da procuradoria municipal de Goiânia (que explicitou a já declarada inconstitucionalidade da matéria), aprovou o projeto de Lei nº 411/2019 que visa justamente declarar, de novo, feriado em Goiânia no dia 20 de novembro em razão do Dia Nacional da Consciência Negra.

Aqui não se debate a importância do Dia Nacional da Consciência Negra e muito menos o necessário debate do tema no seio da sociedade, mas sim a impossibilidade formal de a referida data ser feriado na capital de Goiás. Há tempos que, ano após ano, insistimos na imprensa goiana e nacional sobre a excessividade de feriados existentes em nossos calendários – ou melhor dizendo no imaginário coletivo. Já se tornou comum apontarmos, ano após ano, que algumas datas como carnaval, corpus christi e agora o Dia Nacional da Consciência Negra não são feriados em todos os locais, um que vez que não é oficialmente previsto.