Os adicionais de insalubridade e de periculosidade e seu caráter propter laborem

Os adicionais de insalubridade e de periculosidade e seu caráter propter laborem. É possível descontá-los em casos de afastamento por problemas de saúde? Para responder a esse questionamento, a coluna de hoje publica texto assinado pelo advogado trabalhista Murilo Chaves. Ele é conselheiro seccional da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (OAB-GO), membro do Conselho de Relações do Trabalho da Federação das Indústrias do Estado de Goiás (Fieg).

Todas as semanas, o Rota Trabalhista convidará uma especialista para escrever sobre tema relevante para o meio jurídico. Leia abaixo a íntegra do texto:

Murilo Chaves

Os adicionais de insalubridade e de periculosidade e seu caráter propter laborem. É possível descontá-los em casos de afastamento por problemas de saúde?

O Adicional de insalubridade é definido pelo conceito daquilo que é nocivo, que se associa às atividades ou operações que, em razão de sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes que fazem mal à saúde acima dos limites de tolerância e do tempo de exposição fixados na legislação[1].

Pela observação de tais aspectos, entende-se que a insalubridade possui incidência variável, de acordo com o ambiente ao qual o trabalhador é exposto, tendo o seu pagamento previsão na Constituição Federal, que garante como direito, aos trabalhadores urbanos e rurais, o adicional de remuneração para atividades penosas, insalubres ou perigosas, conforme previsão do artigo 7º, XXIII, CF[2].

Encontramos iguais referências nos Estatutos dos Servidores Públicos de diversos Estados do país, demonstrando que, para referidos pagamentos, as normas celetistas são, em regra, incorporadas àquelas previstas aos trabalhadores estatutários.

Cabe ainda mencionar que a insalubridade pode existir mesmo diante do fornecimento dos equipamentos de proteção individual, desde que estes não sejam suficientes para elidir o caráter insalubre do ambiente.

De igual forma, o adicional de periculosidade é um direito dos trabalhadores brasileiros que atendam aos requisitos determinados na legislação. Ele garante pagamento de 30% sobre o salário daqueles profissionais que trabalham com exposição permanente à inflamáveis, explosivos ou energia elétrica ou ainda àqueles que, em razão do trabalho, estão expostos aos riscos da violência.

O adicional, no sentido jurídico da palavra, é “um acréscimo salarial que tem como causa o trabalho em condições mais gravosas para quem o presta”[3]. E é justamente nessa conceituação jurídica que se localiza o cerne da questão sobre a qual queremos tratar: como a causa para o pagamento do adicional é a realização do trabalho, a ausência temporária de labor é motivo para que o empregador deixe de pagá-lo? Antecipamos que não.

A partir de uma análise teleológica, podemos concluir que a intenção do legislador, ao instituir os adicionais, foi dispensar tratamento diferenciado, de natureza compensatória, àqueles que exercem suas funções em situações mais gravosas, expostos a perigos e sob condições mais arriscadas do que as dos trabalhadores ordinários.

Referidos adicionais pretendem valorizar o direito fundamental à vida e, atrelados a ele, o direito à saúde e à integridade física, indispensáveis para a garantia da dignidade de toda e qualquer pessoa.

Saindo da seara celetista, podemos observar que alguns servidores públicos, além de não trabalharem em condições ideais, são lotados pela Administração em locais que oferecem riscos à sua integridade física, à sua saúde e, em última instância, à sua própria vida. É o caso, por exemplo, dos profissionais de saúde que hoje estão na linha de frente do combate à pandemia da Covid-19.

Logo, tanto os funcionários de empresas privadas, quanto os funcionários públicos submetidos a tais condições, em nome de toda a coletividade, em respeito a seus direitos celetistas e estatutários, mas, também, em decorrência da preservação das garantias inerentes à condição de pessoa humana, merecem tratamento diferenciado.

Não se discute aqui, portanto, a flexibilização do caráter propter laborem dos referidos adicionais, pois, entende-se com clareza, que eles são devidos em razão do desempenho atividade profissional – seja ela insalubre ou perigosa – com entendimento já firmado, inclusive, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, conforme abaixo:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. ADICIONAIS (NOTURNO E INSALUBRIDADE) E HORA EXTRA. INCORPORAÇÃO AOS PROVENTOS DE APOSENTADORIA. SÚMULAS NºS 83/STJ E 280/STF. PRECEDENTES. 1. Esta Corte Superior de Justiça possui entendimento firmado em que o adicional noturno, o adicional de insalubridade e as horas extras têm natureza propter laborem, pois são devidos aos servidores enquanto exercerem atividades no período noturno, sob exposição a agentes nocivos à saúde e além do horário normal, razão pela qual não podem ser incorporados aos proventos de aposentadoria, limitados à remuneração do cargo efetivo. Precedentes. […] (AgRg no REsp 1238043/SP, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO). (Destacamos).

Ocorre que a expressão propter laborem não pode ter a sua eficácia contida pelos afastamentos legais, a exemplo da licença médica, sobretudo em tempos de pandemia, a ponto de impedir o pagamento do adicional nesses casos.

Logo, a interpretação dos dispositivos legais deve ser sistemática, de forma a privilegiar a estabilidade financeira do trabalhador privado ou público que lida com atividade perigosa ou insalubre, devendo, no mínimo, receber a devida compensação pecuniária.

Nesse sentido, há que ser observado – inclusive aos funcionários públicos, por analogia – o entendimento já consolidado pela Justiça do Trabalho acerca do tema na Súmula nº 47 do TST, que impõe o pagamento do adicional de insalubridade, quando a exposição a agentes insalubres ocorra em caráter intermitente:

INSALUBRIDADE (mantida) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003 O trabalho executado em condições insalubres, em caráter intermitente, não afasta, só por essa circunstância, o direito à percepção do respectivo adicional.

E, embora o alcance da Súmula nº 47 do Tribunal Superior do Trabalho não abranja lides versando sobre servidores públicos estatutários, a sua matéria fática e conceitual deve ser extraída, diante da ausência de conceitos específicos legislativos para os servidores públicos.

A propósito, sobre o tema, casos análogos de municípios goianos que chegaram ao Judiciário Estadual:

APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. INCIDÊNCIA NO PERÍODO DE FÉRIAS. NATUREZA SALARIAL. Como o adicional de insalubridade tem natureza salarial, por incorporar ao vencimento do servidor, deve este incidir durante às férias, uma vez que estão inclusos no rol dos afastamentos legais, inclusive porque a própria lei prevê, em seu art. 25, que referido afastamento é considerado de efetivo exercício. Apelação Cível conhecida e desprovida. Sentença mantida. (0327126-04.2015.8.09.0097 – APELAÇÃO, 27/05/2019, 3ª CÂMARA CÍVEL, DESEMBARGADOR ITAMAR DE LIMA). (Destacamos).

APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. PAGAMENTO DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE DURANTE PERÍODOS DE FÉRIAS E LICENÇA MÉDICA. AFASTAMENTOSLEGAIS. VIABILIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. HONORÁRIOS RECURSAIS. CABIMENTO. I. Extrai-se do caderno processual que o ente público, nos Embargos à Execução por ele opostos, defende que há excesso de execução, porquanto na planilha apresentada pelo exequente/embargado, aqui apelado, estão sendo computados o adicional de insalubridade no período em que o servidor encontrava-se de férias ou de licença médica. II. A base de cálculo para pagamento do pagamento de adicional de insalubridade corresponde a “percentual de 20% (vinte por e cento) sobre o salário base do autor”, conforme sentença transitada em julgado. […] IV. A pretensão almejada pelo servidor, ora apelado, está respaldada na legislação, mormente porque o Regime Jurídico Único permite o pagamento das vantagens do cargo para o funcionário que está de licença médica para tratamento de saúde e, também, de férias, uma vez que o adicional de insalubridade tem natureza salarial compondo parte da remuneração do autor juntamente com o salário e demais vantagens ou adicionais que tem direito a receber, conforme estatui o art. 109, inciso III, alínea “c”, da Lei municipal nº 129/06. V. Levando em conta que o adicional de insalubridade tem natureza salarial, por incorporar ao vencimento do servidor, deve o mesmo refletir tanto durante às férias e licença médica, uma vez que estão inclusos no rol dos afastamentos legais. Isto porque, a própria lei prevê, em seu art. 25, que o afastamento em virtude de férias é considerado de efetivo exercício. Já no que toca à licença médica, referida legislação estatui que a licença para tratamento de saúde será concedida com remuneração integral. VI. Desse modo, imperativa a confirmação da sentença objurgada nesta instância ad quem, visto que o administrador público está adstrito à observância da lei, exegese do princípio da legalidade. VII. Diante da sucumbência recursal, é imperiosa a majoração dos honorários advocatícios de sucumbência anteriormente fixados, nos termos do artigo 85, § 11 do CPC. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E DESPROVIDO. (0451716-53.2015.8.09.0097 – APELAÇÃO, 24/08/2018, 1ª CÂMARA CÍVEL, DES. LUIZ EDUARDO DE SOUSA). (Destacamos)

Assim sendo, diante dos pontos acima destacados, entendemos como medida mais correta, do ponto de vista jurídico, a manutenção dos pagamentos de adicionais aos servidores públicos ou privados, durante os afastamentos legais, seja por férias ou licença-médica, por serem considerados adicionais de serviço.

Ademais, e em razão do próprio princípio da estabilidade financeira, inerente aos direitos e garantias de todo aquele que trabalha, não se pode pretender que, em afastamentos efetivamente computados como tempo de serviço, seja o trabalhador alijado do percebimento de parte de sua remuneração, ponto de vista que ganha mais relevância em tempos de pandemia.

[1] Artigo 189, CLT.

[2] Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XXIII – adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;

[3] Conceito do doutrinador Amauri Mascaro Nascimento.