Projeto sobre anulação de casamento discrimina transexuais, dizem debatedores

A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República vai elaborar nota técnica contra o projeto de lei (PL 3875/12) do deputado Carlos Manato (SD-ES) que inclui nova hipótese para anulação de casamento. A proposta permite a anulação quando um dos cônjuges tiver feito cirurgia de mudança de sexo, antes da união, sem ter informado ao parceiro.

Durante audiência pública da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados, realizada na semana passada, a chefe da assessoria jurídica da Secretaria de Direitos Humanos, Aline de Oliveira, sustentou que o projeto é desnecessário, uma vez que o Código Civil já prevê essa hipótese.

Outro argumento do autor do projeto é a “impossibilidade de constituição de prole”, o que, segundo Aline de Oliveira, não é mais aceito no ordenamento jurídico porque muitas pessoas se casam e não têm filhos. Ela também afirmou que a proposta é inconstitucional, pois trata de maneira discriminatória as pessoas que mudaram de sexo.

“Dizer que um transexual tem poder maior de enganar o cônjuge, o marido ou a mulher, isso é um tratamento discriminatório”, declarou.

Sem precedentes

O coordenador do Instituto Brasileiro de Transmasculinidade, Luciano Palhano, defendeu a rejeição do projeto. Segundo Palhano, o projeto não tem sentido porque não existe precedente de pedido de anulação de casamento por alguém ter trocado de sexo e escondido o fato do parceiro.

“Não existem pessoas trans que se propõem a enganar os seus parceiros. Esta proposta incita mais estigmas, mais preconceitos, mais discriminação em torno da existência das pessoas trans”, afirmou.

O presidente do Instituto Latino-Americano de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos, Dimitri Sales, fez um apelo para que os parlamentares rejeitem propostas nocivas aos direitos da comunidade LGBT e assumam o compromisso em defesa da vida de todas as pessoas, independentemente da orientação sexual.

“Há uma onda conservadora, um tsunami conservador. Embora digam ser favoráveis aos direitos, se comportam contrários aos direitos humanos. Apresentam projetos de lei que são absolutamente violentos à dignidade de travestis, transexuais, gays, lésbicas e bissexuais. Incentivam manifestações preconceituosas, manifestações de ódio”, disse Dimitri Sales.

Parecer favorável

O relator do projeto, deputado Marcus Pestana (PSDB-MG) também participou dos debates. Ele disse que apresentou parecer favorável ao projeto porque a assessoria da comissão não detectou qualquer inconstitucionalidade, mas não descartou prosseguir com os debates.

O deputado disse não haver pressa na aprovação do projeto, uma vez que não há precedente de pedido de anulação de casamento pelo fato de um parceiro desconhecer a mudança de sexo do outro.

“Acho que vamos chegar a um bom porto se tivermos o ambiente adequado e não nos inspirarmos por nenhum espírito de intolerância”, disse Pestana.

Autor do requerimento para a audiência, o deputado Jean Wyllys (Psol-RJ) disse que o debate foi útil. “Para mim, o grande resultado dessa audiência foi o relator Marcus Pestana vir e ter dito publicamente que está disposto a acatar os argumentos, sobretudo os que vieram da Secretaria de Direitos Humanos e de Dimitri Sales”, afirmou.

Depois de votado na Comissão de Seguridade Social e Família, o projeto seguirá para análise na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ).