Policial militar condenado a mais de dois anos de reclusão por tortura

O tenente da Polícia Militar do Estado de Goiás (PMGO) Wanderson Carolino foi condenado a 2 anos e 4 meses de reclusão, no regime inicial aberto, por prática de tortura contra Zaquiel de Jesus Nunes. Ele também foi retirado do cargo que ocupava, ficando impossibilitado de exercer função ou emprego público por 4 anos e 8 meses. A sentença é da juíza Placidina Pires, da 10ª Vara Criminal de Goiânia.

A denúncia contra Wanderson e seu colega Rogério Ramos Artiaga, feita pelo Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO), foi recebida no dia 6 de fevereiro de 2007. A defesa de Wanderson pediu sua absolvição, sob as teses de incidência do princípio in dubio pro reo (na dúvida a favor do réu) e insuficiência probatória. Por sua vez, oMPGO requereu a condenação do acusado nas sanções do artigo 1º, inciso I, alínea “a”, da Lei nº 9.455/97, que estabelece que “constitui crime de tortura: constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental, com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa”.

Rogério não foi encontrado para ser citado e não compareceu ao chamamento judicial, nem constitui advogado, portanto, teve decretada a revelia, a suspensão do processo e do curso do prazo prescricional, e sua prisão preventiva.

Crime de Tortura

Inicialmente, a magistrada explicou que a prática de tortura é vedada constitucionalmente, no artigo 5º, inciso III, da Carta Magna, ao prever que ninguém será submetido à tortura nem tratamento desumano ou degradante. “Importante lembrar ainda que o Estado brasileiro, através do decreto nº 6.085, de 19 de abril de 2007, ratificou a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 10 de dezembro de 1984, reafirmando que a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes são proibidos e constituem violação dos direitos humanos, assumindo perante a ordem internacional o compromisso de prevenir e reprimir tais práticas”, aduziu.

Disse que, pelo fato dos torturadores empregarem métodos e técnicas para ocultar as marcas de lesões, os Tribunais têm adotado entendimento de que as marcas deixadas psicologicamente, uma vez demonstradas por qualquer outro meio de prova, serão suficientes para configurar o crime de tortura.

Contudo, afirmou que a materialidade do delito se encontrou satisfatoriamente provada através do Laudo de Exame de Corpo de Delito realizado na vítima e, também, pelas suas declarações perante a Gerência de Correições e Disciplinas, pelas testemunhas e pelos autos de sindicância instaurada pela Gerência de Correições e Disciplina da Polícia Militar.

Autoria

Apesar de Wanderson ter negado a prática de tortura e dito que tudo foi arquitetado por Adão, cunhado da vítima, por causa de um desentendimento pessoal com ele, Placidina Pires informou que a autoria se encontrou patenteada pelo conjunto probatório, pelas palavras da vítima e pelos depoimentos testemunhais, “os quais apontam, induvidosamente, Wanderson Carolino como autor da infração penal”.

A juíza disse que as declarações de Zaquiel perante o Órgão Correcional da Polícia Militar e, em juízo, confirmadas pelos depoimentos das testemunhas, não deixaram dúvidas de que “o acusado Wanderson, dolosamente, praticou o delito descrito na denúncia, vez que impingiu intenso sofrimento físico e mental à vítima Zaquiel de Jesus Nunes, com a intenção de obter sua confissão sobre crime que não cometeu”.

Condenação

Placidina Pires julgou procedente o pedido formulado na denúncia, condenando Wanderson como incurso nas sanções do artigo 1º, inciso I, alínea “a”, da Lei nº 9.455/97, fixando a pena-base no mínimo legal, em 2 anos de reclusão. Em seguida, aumentou a pena em um sexto, pelo crime ter sido praticado por agente público, conforme parágrafo 4, inciso I, do artigo 1º da mesma lei, totalizando 2 anos e 4 meses de reclusão, devendo ser cumprido no regime inicial aberto, em estabelecimento adequado –  Casa do Albergado.

Ademais, de acordo com o posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF), de que “em se tratando de condenação de oficial da Polícia Militar pela prática do crime de tortura, sendo crime comum, a competência para decretar a perda do oficialato, como efeito da condenação, é da Justiça Comum”, a magistrada decretou a perda do cargo ocupado por Wanderson, e a impossibilidade de exercício de cargo, função ou emprego público pelo prazo de 4 anos e 8 meses.

O Caso

No dia 17 de janeiro de 2005, Wanderson, suspeitando de que Zaquiel havia furtado as rodas de seu veículo, foi com Rogério até a oficina onde ele trabalhava. Eles pediram permissão ao chefe da vítima para que ele fosse arrumar um carro que estava em sua automecânica. Porém, chegando ao local, não havia nenhum veículo, momento em que o Wanderson sacou uma arma de fogo e apontou para a cabeça de Zaquiel, perguntando sobre as rodas furtadas.

A vítima, ao negar o crime, foi levada para o interior do estabelecimento, onde começaram as agressões. Algemado, ele recebeu um chute na barriga, que o fez cair no chão. Wanderson colocou uma camisa em sua boca e deu vários tapas em seu rosto, insistindo para dizer-lhe onde estavam as rodas. Em seguida, pediu para que Zaquiel retirasse os sapatos, e com uma marretinha tentou acertar seus dedos. Não conseguindo, pois a vítima desviava dos golpes, acertou-lhe no joelho e na testa, voltando a colocar a arma em sua cabeça.

Ao final, retirou as algemas e o levou até sua residência, em uma última tentativa de localizar as rodas. Não encontrando, o ameaçou, dizendo que se não as devolvesse até terça-feira, às 17 horas, mataria ele, seu irmão, sua irmã e sua noiva.