MP quer responsabilizar gestores por assédio moral organizacional no sistema socioeducativo do Estado

O Ministério Público de Goiás está cobrando na Justiça a responsabilização do Estado de Goiás, de gestores da Secretaria Cidadã, da diretora-geral do Grupo Executivo de Apoio à Criança e ao Adolescente (Gecria), Luzia Dora Silva, e da servidora Denise Guerra, por assédio moral organizacional praticado no âmbito do sistema socioeducativo. Na ação de proteção do meio ambiente de trabalho no serviço público, o promotor de Justiça Vilanir de Alencar Camapum Júnior requer, em tutela de urgência, o afastamento imediato de Luzia Dora de seu cargo, sob pena do pagamento de multa diária de R$ 1 mil em caso de descumprimento.

Conforme sustentado pelo promotor, titular da Promotoria de Justiça de Saúde do Trabalhador de Goiás, as investigações que levaram à propositura da ação foram feitas ao longo dos últimos três anos. Também são réus a atual titular da Secretaria de Estado da Mulher, do Desenvolvimento Social, da Igualdade Racial, dos Direitos Humanos e do Trabalho (Secretaria Cidadã), Lêda Borges e os ex-secretários da extinta Secretaria de Cidadania e Trabalho, Francisco Peixoto e Henrique Arantes.

A apuração teve início em razão de reiteradas denúncias de muitos servidores, inicialmente perante a 89ª Promotoria de Justiça (Defesa do Patrimônio Público) e depois perante a 68ª Promotoria de Justiça (Saúde do Trabalhador). Em 2012, a 89ª PJ requisitou a instauração de sindicância para apurar denúncia de assédio praticado por Luzia Dora. Porém, a sindicância ficou sem andamento por dois anos, com sérios indícios de prevaricação (por parte dos secretários), por não apurar os fatos denunciados. Somente em 2014 a secretária Lêda Borges adotou providências, que, segundo o promotor, não passaram de um simulacro, uma vez que não houve uma efetiva investigação e a sindicância foi arquivada.

Como apontado na ação, diversas foram as denúncias referentes a assédios, não somente feitas por servidores, mas também pelo gerente de Gestão, Planejamento e Finanças do Gecria, Carlos Roberto Fernandes; por um psicólogo e um psicanalista da Secretaria Estadual de Saúde, além de denúncias encaminhadas pelo Ministério Público do Trabalho. Os fatos comprovados nas investigações noticiam as mais diversas condutas assediosas, ilegais e até criminosas, constituindo “prova da existência de uma gestão opressora, antiética e imoral no sistema socioeducativo”. Para o promotor, são situações que provocam danos à saúde dos servidores, ao patrimônio público, à probidade na gestão da coisa pública e repercutem em ineficiência do sistema, com graves prejuízos aos adolescentes internos.

No mérito da ação é pedida a condenação do Estado de Goiás ao pagamento de R$ 5 milhões pelos danos causados ao meio ambiente de trabalho dos servidores do sistema socioeducativo, consubstanciados na prática do assédio moral organizacional. Solidariamente, é pedida ainda a condenação de Denise Guerra, Luzia Dora, Lêda Borges, Henrique Arantes e Francisco Peixoto ao pagamento da multa no limite de R$ 200 mil pela prática de assédio moral organizacional.

É requerida ainda a condenação do Estado na obrigação de recuperar a qualidade de vida no degradado meio ambiente de trabalho do sistema socioeducativo, de forma que seja garantida a efetiva implantação em todas as unidades do sistema de uma gestão isenta da prática de assédio moral, perseguições e de atos abusivos, por toda e qualquer forma. Também é pedido que seja garantido o restabelecimento de um sadio relacionamento interpessoal com os servidores, providenciando os recursos humanos e materiais necessários à garantia de respeito aos seus direitos.

Por fim, é pedida a condenação solidária do Estado de Goiás, Denise Guerra, Luzia Dora, Lêda Borges, Henrique Arantes e Francisco Peixoto a indenizarem os danos materiais e morais sofridos individualmente pelos servidores do sistema, que se habilitarem na fase de cumprimento da sentença. Além disso, é requerido que o Estado promova o afastamento definitivo de Luzia Dora e Denise Guerra de qualquer cargo ou função de chefia na administração pública estadual, como medida destinada a prevenir novas deteriorações do meio ambiente de trabalho dos servidores públicos, sob pena de multa diária de R$ 1 mil.

Os assédios
Segundo narrado na ação, um dos assédios praticados por Denise Guerra e Luzia Dora foi apurado em procedimento instaurado pelo MP-GO, no âmbito do qual foi sugerido ao governador o afastamento de Denise do cargo de coordenadora de unidade socioeducativa e também recomendada a instauração de procedimentos disciplinares. A sugestão de afastamento, entretanto, não foi acatada, tendo a secretária Lêda Borges justificado ao governador a manutenção de Denise, afirmando que os procedimentos administrativos disciplinares estariam todos recebendo a devida atenção pela Secretaria Cidadã e que não havia condenação apta a justificar o afastamento da servidora.

Ocorre que a secretária omitiu o fato de que Denise já havia sido condenada em decisão que ela mesma proferiu, a afastamento por 90 dias. Além disso, Luzia Dora foi testemunha de defesa de Denise, o que, para o promotor, reforça a prova de sua adesão e omissão ao assédio organizacional.

Diversos depoimentos colhidos pelo MP-GO confirmaram a prática das condutas de assédio, que provocaram a evasão dos servidores concursados do sistema socioeducativo, cujo efetivo foi reduzido significativamente. O prejuízo aos adolescentes também foi registrado em Relatório Técnico do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que apontou “elevado índice de absenteísmo, rotatividade de pessoal e licenças funcionais, sendo importantes os sinais de sobrecarga e estresse”. Este relatório também verificou que o projeto Cuidando do Cuidador (que visa dar assistência médica e psicológica a servidores do sistema socioeducativo) não foi desenvolvido no Centro de Internação para Adolescentes (CIA) de Goiânia.

Outra forma de assédio constatada foi a transferência ilegal dos servidores, sem respaldo em decisão fundamentada no interesse público, apesar de recomendações feitas pela Promotoria de Saúde do Trabalhador à direção do Gecria. Até para procedimentos corriqueiros, como a revista de pessoas que adentram às unidades de internação, a direção adotou métodos vexatórios, desrespeitando direito básicos dos servidores, como a revista íntima realizada em servidoras do sexo feminino por servidores do sexo masculino, o que igualmente exigiu a intervenção da promotoria.

A mais recente forma de opressão, de acordo com Vilanir Júnior, foi impedir qualquer possibilidade de descanso do servidor durante os plantões noturnos de 12 horas, sendo que a própria Procuradoria-Geral do Estado já emitiu parecer manifestando-se pela obrigatoriedade do respeito aos intervalos para descanso intrajornada.

Foi comprovada ainda que a coordenação das unidades frequentemente desautoriza os servidores diante dos adolescentes e realiza acordos diretamente com os jovens, sem ouvir a equipe, o que alimenta o comportamento agressivo e de enfrentamento dos adolescentes em relação aos servidores.

Homicídios culposos
O promotor Vilanir também sustenta que há indícios de que a a falta de comunicação entre os gestores e os servidores contribuiu decisivamente para a morte de adolescentes internos. No primeiro caso, apresentado por uma educadora do CIA de Goiânia, é narrado que um adolescente deveria ser transferido em razão de ter recebido uma medida disciplinar, contudo, os servidores do plantão alertaram Denise de que o garoto tinha desavenças com outro jovem que já estava no alojamento. Ignorando esta informação, ela determinou a transferência, sendo que, de fato, o adolescente foi morto assim que chegou no alojamento.

O segundo caso relatado ao promotor foi a morte de um adolescente ocorrida após a autorização concedida por Denise para que ele, que já havia sofrido agressões de outros internos, retornasse ao convívio comum. A autorização, solicitada pelos próprios adolescentes, que asseguraram que não haveria problema algum, foi dada sem a consulta a nenhum servidor sobre o caso. O jovem foi enforcado por fios de TV.

O fato de certos adolescentes possuírem benefícios como TV e rádio também foi apontado nos depoimentos que tratam de privilégios aleatórios concedidos por Denise, sem consulta à equipe de educadores. Desse modo, o terceiro caso ocorreu quando um adolescente morreu aparentemente eletrocutado de forma acidental dentro de seu alojamento.

Por fim, é citado na ação um caso recente de um jovem que foi transferido para Anápolis, com recomendação da equipe de Goiânia para que ficasse isolado e medicado. Em crise, ele havia dito diversas vezes que iria matar alguém se não voltasse para a capital. Ainda assim, ele foi posto junto de outros internos e, apenas uma hora e meia após ingressar na unidade de Anápolis, matou outro garoto.

Gratificação
Outro ponto apresentado pelo promotor e também questionado em ação específica é o uso indevido que Luzia Dora e Denise Guerra fazem da Gratificação por Atividades Socioeducativas (Gase). De acordo com Vilanir Camapum, a Gase foi fruto de uma luta dos servidores por um adicional que indenizasse o risco e a insalubridade a que ficam submetidos nas unidades socieoeducativas.

Contrariando esta diretriz, a direção do Gecria, apoiada por outros entes do governo estadual, conferiu à Gase também a finalidade de “avaliação de desempenho”, o que tem sido feito de forma distorcida, com objetivos de perseguição. Depoimentos colhidos pelo MP corroboram a ideia de que a gratificação foi transformada num instrumento de abuso e a opressão utilizado para reprimir servidores concursados e estáveis que expressam sua revolta e indignação contra a precariedade de suas condições de trabalho.

É esclarecido ainda que a Gase é suspensa quando o servidor se afasta para tratamento de saúde, até mesmo em razão de acidente de trabalho. Para o promotor, “o fato gerador da Gase é inconciliável com o requisito avaliação de desempenho’ introduzido na lei para sua concessão, porque um adicional visando indenizar um risco não pode ser retirado do servidor em razão de baixo desempenho, mas somente quando cessa a exposição ao risco”.

Assim, esta outra ação proposta visa corrigir as ilegalidades e a inconstitucionalidade na regulamentação e aplicação da Gase. É requerido, desse modo, que seja determinado à Secretaria Cidadã e à Diretoria do Gecria que seja proferida decisão escrita e fundamentada nos atos que importem em alteração significativa das condições de trabalho do servidor, devendo o dirigente que proferir a decisão fundamentar o ato com base no específico interesse público motivador da decisão. Também é pedido que sejam considerados ilegais os dispositivos que impõe restrições ao pagamento da Gase, além de ter sido pedida a imposição de multa diária em caso de descumprimento.

O promotor fez ainda um pedido de aditamento a esta última ação, requerendo em caráter de urgência que a Secretaria Cidadã providencie local adequado para o descanso dos servidores que trabalham dentro da estrutura física das unidades de internação do sistema socioeducativo, bem como que forneça equipamentos suficientes e adequados que possibilitem a garantia e o exercício desse direito, como cama, colchões, roupa de cama e aparelhos de ar-condicionado. Fonte: MP-GO