Tema 941 do STF, imprescindibilidade de PAD na execução penal e a técnica do distinguishing

Até o julgamento do RE 972.598, pelo STF, a exigência de procedimento administrativo disciplinar prévio ao reconhecimento de falta disciplinar no correr da execução penal não suscitava maiores dúvidas. Com previsão no art. 59 da Lei de Execução Penal, que determina, diante da prática de falta disciplinar, a instauração de procedimento para sua apuração, o tema também encontrava previsão na súmula 533 do STJ, não revogada. Do teor da súmula impunha-se que o procedimento deflagrado fosse realizado em observância a preceitos comezinhos como o são a garantia do contraditório e da ampla defesa, especialmente em razão da repercussão que o reconhecimento de falta disciplinar impõe ao sentenciado [1]

No Estado de Goiás a exigência de procedimento administrativo disciplinar à apuração de falta disciplinar é prevista na Lei n. 12.786/95, ainda vigente, mesmo diploma que confere ao Conselho Penitenciário Estadual a atribuição de instância recursal da decisão proferida no âmbito de PAD da qual derive falta grave [2]. Nos termos da norma, o recurso deve ser manejado no prazo de 5 dias contado da ciência do sindicado.

No julgamento do RE 972.598 a questão resultou, aparentemente, modificada. No caso dos autos, o TJ/RS proveu o recurso interposto pela defesa da prisioneira, afastando a falta grave e revertendo a regressão do regime expiatório por entender “nula a audiência de justificação realizada em juízo sem a prévia e imprescindível realização de PAD para o reconhecimento de falta grave” [3]. No recurso extraordinário levado ao STF o MP/RS sustentou que a “realização de audiência de justificação, na presença do Ministério Público e de Defensor afastaria a imprescindibilidade de PAD”. Em seu voto o Relator Ministro Luís Roberto Barroso proveu o recurso, ao que foi acompanhado pela maioria, dele resultando o tema 941/STF e fixada a seguinte tese: “A oitiva do condenado pelo juízo da execução penal, em audiência de justificação realizada na presença do defensor e do Ministério Público, afasta a necessidade de prévio procedimento administrativo, e assim como supre eventual ausência ou insuficiência de defesa técnica no PAD instaurado para apurar a prática de falta grave durante o cumprimento da pena.”

Imediatamente ao julgamento do tema 941/STF, o efeito vinculante do julgado refletiu no tratamento que os demais tribunais dispensava à questão. A exemplo, o STJ no julgamento do RHC 58.726/MT [4] decidiu que: “O Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, ao apreciar o Tema n. 941 (RE n. 972.598/RS, Relator Ministro Roberto Barroso, j. 4/5/2020, ata de julgamento publicada em 12/5/2020), fixou a tese de que, havendo a ouvida do apenado perante o Juízo da Execução, em audiência de justificação, com a presença do defensor e do Ministério Público, não se exige a realização de prévio Procedimento Administrativo Disciplinar, o que supriria, inclusive, eventual ausência ou insuficiência de defesa técnica no referido PAD”. Em igual toada o TJGO, no julgamento do HC 5352722-89 [5], decidiu que: “O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 972.598/RS, reconheceu a repercussão geral do tema 941, que estabeleceu a possibilidade de afastamento do procedimento administrativo disciplinar, desde que efetivada a audiência de justificação.”

Entretanto, o estudo do tema fixado pelo STF e de todos os seus contornos parece sugerir que a questão jurídica nele tratada, embora dotada de eficácia vinculante decorrente de precedente firmado em repercussão geral, resultou limitada a apenas uma das diversas hipóteses ensejadoras do reconhecimento de falta disciplinar no curso da execução penal: a fuga do local de cumprimento de pena. No caso utilizado como paradigma a prisioneira havia “empreendido fuga da Penitenciária João Chaves, em Natal, RN, no dia 06/02/2021, com recaptura em 24/04.2014, tendo o juízo da execução penal, sem a prévia realização de PAD para a apuração da apontada falta grave, determinado a perda de 1/10 dos dias remidos, mantendo o regime inicial fechado e alterando a data-base para obtenção dos direitos na execução da pena” [6].

Também os precedentes citados pelo relator no voto do RE 972.598/RS, suspostamente indicadores da existência de recursos repetitivos sobre a matéria constitucional, restringiram-se a casos em que a sanção disciplinar decorria de fuga no curso da execução da pena [7]. Ademais, os precedentes citados pelo relator guardavam, entre si, outra identidade: eram todos oriundos do TJRS, excentricidade decorrente de dispositivo de regulamento penitenciário local que expressamente “dispensava a realização de PAD nos casos de fuga e de prática de qualquer fato previsto como crime doloso na lei penal vigente [8]”.

E o que tudo isso significa, na prática? Implica dizer que a imprescindibilidade da realização de procedimento administrativo disciplinar para a apuração de falta disciplinar, com a garantia do contraditório e da ampla defesa, embora infirmada pelo STF nos casos de fuga, permanece hígida em todos os demais casos ensejadores de sanção disciplinar. Tal conclusão decorre de um dever de o órgão julgador proceder a distinção entre um caso posto e o paradigma que aparentemente o vincula, conforme a técnica do distinguishing preceitua, decorrência direta do princípio da igualdade.

Como visto, mantem-se hígido o teor do art. 59 da LEP e o teor da Súmula 533 do STJ, limitando-se sua aplicação, tão somente, aos casos em que a sanção disciplinar estiver relacionada ou decorrer de fuga do prisioneiro do local de execução da pena.

[1] Entre os quais figuram a alteração de data-base, suspeição do requisito subjetivo à progressão de regime, suspensão do direito ao indulto e à comutação, além daquelas de caráter administrativo atinentes ao ambiente prisional. 

[2] Ver a íntegra do acordão do RE 972.598/RS. 

[3] Goiás, Lei n. 12.786/95.

[4] RHC 58.726/MT, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 20/04/2021, DJe 26/04/2021. 

[5] HC 5352722-89.2021.8.09.0000, Rel. Desor. José Paganucci Jr, PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, DJe 23/09/2021. 

[6] Ver a íntegra do acordão do RE 972.598/RS.

[7] Vide HC 112.380, RE 981.901, HC 110.278, HC 109.536, RHC 109.847 e HC 109.542.

[8] Rio Grande do Sul, Decreto 46.534/09.  

[9] Ver enunciado n. 306 do Fórum Permanente de Processualistas Civis e art. 315, VI do CPP. Ainda, sobre o tema, ver DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil, volume 2, 2019. 

[10] Contribuíram para a reflexão os Professores do Curso Imersão Criminal Rafael Starling, Kelly Bizinotto e Kamila Pereira.

Giro pelos Tribunais

 STJ – O Superior Tribunal de Justiça deu um passo importante na definição das consequências da quebra da cadeia de custódia, matéria incorporada no Código de Processo Penal através da Lei n. 13.964/19. Para o STJ, no HC 653.515-RJ relatado pela Ministra Laurita Vaz e Acordão redigido pelo Ministro Rogério Schietti Cruz, da Sexta Turma, julgado em 23/11/2021, as “irregularidades constantes da cadeia de custódia devem ser sopesadas pelo magistrado com todos os elementos produzidos na instrução, a fim de aferir se a prova é confiável”. 

Efemérides da Justiça Criminal

 Na altitude de seus mais de 1.000 júris, eu, singela planície, provoquei o Advogado Criminalista Douglas Dalto Messora, professor de todos nós, a trazer à Coluna Defesa Criminal singelo relato de um entre os diversos casos que compõem o repertório de sua amazônica atuação no Tribunal do Júri. Em resposta, para meu regozijo, dele recebi mais de uma dezena de relatos de Defesas nas quais atuou e que, muito antes de edificarem a sua brilhante história de vida como Defensor e Tribuno do Júri, conformam a história do Tribunal do Júri no Estado de Goiás. Na próxima semana trarei o primeiro deles. Obrigado, Professor Douglas!