É comum que advogados sustentem questões preliminares em recursos criminais, principalmente em apelações e recursos em sentido estrito, quando, na verdade, estão a tratar de temas que deveriam integrar o mérito do recurso. Embora pouca gente se dê conta desse “detalhe”, a indevida utilização dessas categorias pode gerar consequências graves ao direito dos constituintes.
Isso parece ocorrer por incompreensão sobre o que vem a ser o mérito na fase de cognição e o que é o mérito na fase recursal. Enquanto o mérito na fase de cognição (primeiro grau) diz respeito ao fato imputado e seus reflexos e consequências, o mérito recursal se relaciona à parte da sentença contra a qual é dirigida a impugnação (segundo grau).
Nesse sentido, as preliminares de mérito são questões que, uma vez conhecidas e acolhidas pelo juiz, impedirão o enfrentamento do mérito. Na fase de cognição, podem ser chamadas de preliminares todas aquelas circunstâncias que guardem relação com a justa causa, esvaziando-a, de qualquer de forma, como ocorre nas hipóteses de conhecimento obtido através da invasão de domicílio, de interceptação telefônica perspectiva ou de pescaria probatória, entre outras.
Já na fase recursal, podem ser chamadas preliminares de mérito todas as questões que, de qualquer forma, obstaculizem a apreciação da impugnação, desaguando na inadmissão ou no não conhecimento do recurso.
Há também as questões prejudiciais de mérito, mais comuns na fase de cognição. Caso apreciadas e acolhidas, embora não impeçam o enfrentamento do mérito, as questões prejudiciais modificam a forma com que o mérito será apreciado.
Na fase de cognição são comuns as questões prejudiciais relacionadas ao reconhecimento de causa extintiva da punibilidade (prescrição) ou de causa extintiva da pena (indulto ou comutação). Já na fase recursal, pode ser considerada prejudicial de mérito a ocorrência de fato que, antes do julgamento do recurso, esvazie tópico ou capítulo da impugnação, como ocorre, por exemplo, no caso de superveniente revogação da prisão antes da apreciação do mesmo pedido ventilado na apelação.
Existindo diferenças entre o mérito da ação penal (cognição) e o mérito da fase recursal (segundo grau), razoável concluir que nem sempre as questões preliminares (ou prejudiciais) apresentadas na fase de cognição serão tratadas como preliminares na fase recursal, mas, sim, como questões de mérito do recurso. É o que ocorre, por exemplo, no caso da invasão de domicílio por agentes de polícia, tema bastante difundido na jurisprudência. Nesse caso, a apresentação de preliminar na fase de cognição tem por objetivo desconstituir a higidez da coleta do conhecimento que gerou a hipótese combatida e, com isso, afetar a justa causa à ação penal. Todavia, superada essa questão preliminar na sentença, a matéria outrora tratada como preliminar na fase de cognição será apresentada como mérito recursal, reclamando capítulo próprio entre todas as demais questões de mérito do recurso.
Certo. Mas quais são as consequências que podem ser evitadas a partir do uso adequado das referidas categorias? Esse será o tema para o próximo artigo da coluna!