Olet

A passagem é clássica e conhecida de muitos.

O imperador Vespasiano foi contestado por seu filho Tito sobre a imoralidade de se cobrar tributos pelo uso das latrinas.  Como resposta, Vespasiano apanhou um bocado de moedas de ouro fruto de tal arrecadação, levou ao nariz de seu filho e indagou:
 

-Olet? (Cheira?)

Tendo o próprio Vespasiano respondido:

-Pecunia non olet… (O dinheiro não tem cheiro).

Essa é apontada como a origem de se poder tributar atividades ilícitas com repercussões econômicas. Trocando em miúdos, não interessa ao Estado se o lucro é lícito ou ilícito. Ele será tributado.

Se ao Estado é lícito tributar rendas ilícitas, não é admissível, por outro turno, que se tribute de maneira desarrazoada as propriedades imobiliárias em sua base territorial.

Por mais que os impostos não possuam referibilidade, vale dizer, não fazem frente à demandas específicas, servindo para fermentar a receita estatal e cobrir as despesas gerais, não é proporcional, mesmo aos olhos dos leigos, um incremento  no valor de ITU e IPTU que beirava os 40%, gerando, por conseguinte, uma arrecadação para o município de Goiânia na ordem de 90 milhões de reais.

Não há justificativa social para se majorar os tributos territoriais urbanos sem que isso repercuta em melhoria direta para os habitantes da cidade.

Com saúde pública municipal em caos, educação de péssima qualidade, transporte coletivo urbano deficiente, política de mobilidade falida que estimula rivalização dos poucos espaços urbanos de circulação, falta de acessibilidade para pessoas portadoras de deficiências inclusive e principalmente em prédios públicos, dentre os vários outros nós da cidade de Goiânia, seus habitantes não creem que o aumento da carga tributária repercutirá efetivamente em melhoria das condições da cidade.

A falta de diálogo com a população, as decisões administrativas e legislativas altistas, encasteladas, tomadas sem preocupações com as repercussão na vida dos cidadãos, acabou desbordando em um grande movimento social contra a majoração dos tributos imobiliários, que encontrou ressonância em um jovem vereador da cidade de Goiânia.
A proximidade de Virmondes Cruvinel Filho com os cidadãos, seja efetivamente participando da vida da cidade, seja com sua presença constante nas redes sociais, o tornou efetivamente um porta-voz do povo, principalmente dos jovens que nele depositaram suas esperanças de dias melhores mas, igualmente, dos mais experientes, cansados da politicagem retroalimentante e autofágica de sonhos e desejos da população.

O recado que essa semana os movimentos contra a majoração do IPTU e ITU, representados no legislativo municipal pelo jovem vereador deram ao executivo e aos dezesseis outros vereadores que foram favoráveis à majoração é que a tributação, ao contrário do que quis demonstrar Vespasiano ao seu filho, pode feder.

Feder pela falta de responsabilidade social, feder por não representar melhoria efetiva de vida dos cidadãos, feder pela imoralidade.

Neste caso, enterrou-se antes de feder.

*Carlos Vinícius Alves Ribeiro, Mestre e Doutorando em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo, membro do Centro de Estudos de Direito Administrativo, Ambiental e Urbanístico da USP, Professor de Direito Administrativo e Urbanístico, Promotor de Justiça.