Competência: juízo da execução e juízo da recuperação judicial

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    Muitos casos que tratam da competência entre juízos de executivos fiscais federais e de ações de recuperação judicial tem chegado ao Egrégio Superior Tribunal de Justiça em forma de Conflito de Competência. Necessariamente, tem ocorrido da seguinte forma: uma empresa em recuperação judicial sofre uma execução da Fazenda Nacional decorrente de um débito tributário. E, uma vez que a Lei 11.101/05 –LFRE, no § 7º de seu artigo 6º diz que tais executivos não se suspendem frente à RJ, a Fazenda pugna pela sequência dos mesmos, exigindo constrição sobre os bens da recuperanda, os quais vão sustentar ou a elaboração ou mesmo o cumprimento de um plano de recuperação judicial.

    Não bastasse somente essa posição impositiva da Fazenda Nacional, o fato da edição da Lei número 13.043/2014, que introduziu o artigo 10-A na Lei 10.522/2002, estabelecendo, de vez, o parcelamento para as empresas que encontrem-se ou venham a encontrar-se em recuperação judicial, a Fazenda Nacional encheu-se de razões, dizendo, inclusive, que diante da regulamentação da questão do parcelamento dos débitos tributários junto à mesma, não haveria mais razão da existência do Conflito de Competência para esta hipótese.

    Não foi este, entretanto, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Ou seja, a questão não se prendia apenas na regulamentação da malsinada questão do parcelamento dos débitos tributários junto à Fazenda Nacional. Para o STJ, a questão é mais profunda, pois trata-se, antes de tudo, do respeito ao maior princípio que vige para sustentar as recuperações judiciais, qual seja: o da manutenção da atividade; e daí, qualquer constrição sobre qualquer bem, a possível abertura para o fracasso do cumprimento do plano apresentado. Neste sentido, diversas decisões de suas Turmas (3a e 4a que tratam do Direito empresarial e 1a e 2a que cuidam das questões tributárias foram proferidas), sendo que as primeiras firmaram o entendimento de que a competência, nesta hipótese, é do juízo da RJ, e as segundas, por óbvio, que a competência seria do juízo que preside o executivo fiscal.

    Até que, por fim, a 2a Seção do STJ (composta pelas 3a e 4a Turmas), decidiram que a competência é do juízo da RJ, pelas claras exposições contidas no AgInt no CC 150.844/GO, Rel. Ministro MARCO BUZZI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13/09/2017, DJe 20/09/2017, onde ficou assentado que: “AGRAVO INTERNO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA – EXECUÇÃO FISCAL E RECUPERAÇÃO JUDICIAL – COMPETÊNCIA DO JUÍZO UNIVERSAL – DELIBERAÇÃO MONOCRÁTICA QUE DECLAROU A COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL – ORIENTAÇÃO PACÍFICA DA EG. SEGUNDA SEÇÃO. IRRESIGNAÇÃO DA FAZENDA NACIONAL. 1. Consoante orientação desta eg. Segunda Seção, a edição da Lei n. 13.043, de 13.11.2014, por si, não descaracteriza o conflito de competência porquanto apesar de a recuperação judicial não acarretar a suspensão das execuções fiscais, as decisões a respeito das constrições e das alienações dos bens da empresa executada, atingidos pelo processo executivo, deveriam se concentrar na competência do Juízo da recuperação. Caso líder: AgRg no CC 136130 / SP, Rel. Min. Raul Araújo, Relator p/acórdão Min. Antonio Carlos Ferreira, Dje de 22/06/2015. 2. Compete à Segunda Seção processar e julgar conflito de competência entre o juízo da recuperação e o da execução fiscal, seja pelo critério da especialidade, seja pela necessidade de evitar julgamentos díspares e a consequente insegurança jurídica. Nesse sentido: CC n. 120.432/SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, CORTE ESPECIAL, julgada em 19.9.2012). 3. A Segunda Seção firmou entendimento no sentido de que o juízo onde se processa a recuperação judicial tem competência para a prática de atos de execução relativamente ao patrimônio da sociedade afetada, fundamentado tal objetivo no desiderato de evitar a realização de medidas expropriatórias individuais que possam prejudicar o cumprimento do plano de recuperação. Precedentes: AgInt no CC 145.089/MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/02/2017, DJe 10/02/2017; CC 145.027/SC, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/08/2016, DJe 31/08/2016; CC 129.720/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão Ministro MARCO BUZZI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/10/2015, DJe 20/11/2015; CC 135.703/DF, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/05/2015, DJe 16/06/2015. 4. Agravo interno desprovido.

    Fica a observação de que a questão que mais pesou nesta decisão foi a da especialidade (como dito acima, as 3a e 4a Turmas do STF tem competência para julgar questões de Direito empresarial), onde se enquadra a Lei 11.101/05. De outro lado, e como também ressaltado pelo digno Relator, a questão da segurança jurídica foi o outro ponto de grande destaque. Assim, tanto a nível federal, quanto  Estadual e mesmo  Municipal, o princípio é o mesmo, caso não existam leis específicas que regule a questão nos dois últimos,  cuja base buscamos no § 4º do artigo 195-A do Código Tributário Nacional, que prescreve que “A inexistência da lei específica a que se refere o § 3o deste artigo importa na aplicação das leis gerais de parcelamento do ente da Federação ao devedor em recuperação judicial, não podendo, neste caso, ser o prazo de parcelamento inferior ao concedido pela lei federal específica”.

    *Renaldo Limiro é advogado especialista em recuperação judicial no escritório Limiro Advogados Associados S/S. Autor das obras A Recuperação Judicial Comentada Artigo por Artigo, Ed. Delrey; Recuperação Judicial, a Nova Lei…, AB Editora; e, Manual do Supersimples, com Alexandre Limiro, Editora Juruá. É membro da ACAD – Academia Goiana de Direito e atual vice-presidente da Acieg. Mantém o site www.recuperacaojudiciallimiro.com.br