Violência obstétrica “assistida”

*Valéria Eunice Mori Machado

“As mulheres sempre pariram, as crianças sempre nasceram. Qual é o problema? Por que essas mulheres reclamam tanto? Sobre o que essas doulas estão falando?” Diziam as vozes que tentavam desconsiderar a importância dos movimentos populares de mulheres contra a violência obstétrica. E agora?

Agora o véu da violência obstétrica caiu! Infelizmente caiu por um preço alto demais!

Nossa voz já estava rouca, porque falamos por muito tempo e não fomos ouvidas. O Brasil entende, hoje, um pouco do que sempre questionamos, mas Giovani Quintella Bezerra conhecia exatamente o que era violência obstétrica. Sabia que ela era sua aliada ao perpetrar um estupro por cerca de dez minutos, há poucos metros dos seus colegas, sem ser interrompido.

Giovani Quintella Bezerra sabia o que era violência obstétrica! Poderia cometê-la por excesso de medicalização, dopando mulheres, roubando as memórias do nascimento de seus filhos, sem ninguém questionar.

Há décadas foi abolida a prática do sono crepuscular, que “apagava” mulheres durante o nascimento de seus filhos. Mas ele, na certeza de que poderia fazer qualquer coisa, dopava pacientes sem necessidade, de rotina. E pior, sem respaldo em evidência científica e com a certeza de que ninguém iria falar nada! Óbvio, o que os meros mortais iriam falar sobre a conduta de alguém que estudou tanto? Cadê o controle de segurança do paciente que aceitou isso? Cadê os outros colegas que assistiram a violência obstétrica por excesso de medicalização e não fizeram nada? Cadê o pediatra? Cadê o obstetra? Cadê? Cadê? O Brasil quer saber!

Giovani Quintella Bezerra sabia o que era violência obstétrica, sabia muito bem! Sabia que ninguém ousaria questioná-lo, e assim ele tinha acesso livre “àquele pedaço de carne”! Ali! Tão fácil e sem resistência! Alguém inerte, completamente vulnerável, para ele usar e satisfazer toda a sua lascívia, nojenta e repugnante!

Giovani Quintella Bezerra sabia o que era violência obstétrica, sabia muito bem! Sabia que era muito simples violar o direito ao acompanhante da mulher e ninguém iria fazer nada!

Como assim? O direito ao acompanhante não está previsto há 17 anos em lei federal? Ué! Como assim não importa! “Você não está vendo que Giovani Quintella Bezerra é um médico anestesista? Como ousa questionar? Que lei? Leve esse bebê daqui a mãe está apagada mesmo! Não faz diferença! Aqui no centro cirúrgico não tem lei federal. Aqui no centro cirúrgico tem Giovani Quintella Bezerra, um homem estudado! Ele sabe o que está fazendo! Como ousa questionar a ordem do doutor? Tire logo esse bebê daqui!”

Cadê os outros colegas que assistiram à violência obstétrica por violação do direito ao acompanhante e ninguém nada fez? Cadê o pediatra? Cadê o obstetra? Cadê? Cadê? O Brasil quer saber!

Toda mãe tem direito de ter o contato pele a pele com seu bebê, isso ajuda aquele ser que acaba de nascer a regular sua temperatura, a se acalmar com a presença da mãe… Mas não importa o que as evidências cientificas falam. No centro cirúrgico manda Giovani Quintella Bezerra, um homem estudado! Ele sabe o que está fazendo! Sabe muito bem!

Cadê os outros colegas que assistiram à violência obstétrica por tirar o bebê do contato da mãe e ninguém nada fez? Cadê o pediatra? Cadê o obstetra? Cadê? Cadê? O Brasil quer saber!

Giovani Quintella Bezerra sabia que a violência obstétrica e o corporativismo seriam os seus maiores aliados para fazer tudo o que a lei não permite, mas que ele queria fazer, pois tinha a certeza que teria acesso livre ao “pedaço de carne”.

Posto isto, como fica o corporativismo e o agravo de saúde pública ocasionado pela violência obstétrica? Como fica? O Brasil ainda quer saber.

*Valéria Eunice Mori Machado é professora, advogada dos direitos ciclo gravídico-puerperal e neonatal e missionária do parto e nascimento.