Filtro de relevância para os recursos especiais e o acesso aos Tribunais Superiores

*Jorge Marquezi

Os colegas que já advogam a mais tempo irão se lembrar que antes da Constituição de 1988 havia um instituto chamado arguição de relevância. Nesta época ainda não existia o Superior Tribunal de Justiça, mas no âmbito do Supremo Tribunal Federal já havia um filtro para os recursos a ele dirigidos. Tal arguição de relevância era muito parecida com o instituto da repercussão geral para o recurso extraordinário, inserido no ordenamento pela Emenda Constitucional 45, de 8 de dezembro de 2004.

Quando a Constituição de 1988 foi promulgada referida arguição de relevância para o recurso extraordinário não foi prevista no texto, sob o argumento de se ampliar o acesso à jurisdição. Este fato, que foi por muitos comemorado, teve seu fim com a instituição da repercussão geral, que teve como fundamento a necessidade de diminuir os recursos ao Supremo e, supostamente, melhorar a prestação jurisdicional.

Este introito tem por objetivo mostrar que este caminho não é novo. Agora, acaba de ingressar em nosso ordenamento uma nova barreira: o chamado filtro de relevância para o recurso especial, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.

Nossa Câmara dos Deputados aprovou na última quarta-feira a PEC 39/21 e hoje o Congresso promulgou a EC 125/22 que estabelece o dever do recorrente, em recurso especial, demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso. Ou seja, um instituto muito símile à repercussão geral, constituindo mais um requisito de admissibilidade do recurso especial dentre tantos outros.

A proposta promulgada permite que o recurso seja recusado por meio do voto de 2/3 dos Ministros componentes do órgão de julgamento, se não demonstrada a relevância, o que impede que o mérito do recurso seja julgado.

A norma inserida no ordenamento prevê alguns casos em que se presume a existência relevância, dos quais destacamos: ações penais, de improbidade administrativa, com valor superior a 500 salários-mínimos, ações que possam gerar inelegibilidade e nas situações em que o acórdão recorrido contraria jurisprudência dominante do STJ.

Sobre a relevância pelo valor – aqui não discutindo a constitucionalidade da previsão – pontuamos que a norma prevê que a partir da publicação da emenda constitucional, os autores de recursos poderão atualizar o valor da causa e, se ultrapassar os 500 salários-mínimos, o recurso será considerado relevante.

Tendo em vista a promulgação, é importante fazer uma última observação de cunho prático processual. Quais recursos especiais serão atingidos pela nova legislação? Esta questão é, a princípio, respondida pelo artigo 2º da EC: Art. 2º. A relevância de que trata o § 2º do art. 105 da Constituição Federal será exigida nos recursos especiais interpostos após a entrada em vigor desta Emenda Constitucional, ocasião em que a parte poderá atualizar o valor da causa para os fins de que trata o inciso III do § 3º do referido artigo”.

Referida previsão segue a jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema. Valendo lembrar recente decisão no RESP n. 1.954.015 no qual se ratificou que “no âmbito do conceito de direito intertemporal, a teoria do isolamento dos atos processuais prevê que a lei nova não atinja os atos processuais anteriores, assim como os seus efeitos”. Acreditamos, todavia, que a melhor solução seria determinar a aplicação da norma aos recursos interpostos em face de decisões cujas intimações fossem posteriores ao início de sua vigência.

De qualquer forma, para evitar problemas precisamos prestar atenção a este requisito para os recursos especiais vindouros, ou seja, após o início de vigência da disposição, que se deu com sua publicação hoje dia 15 de julho. Assim, para os recursos doravante protocolados, já precisamos ficar atentos.

Pois bem, dentre os já inúmeros “filtros” que existem para os recursos direcionados aos Tribunais Superiores, teremos que lidar com mais um. E precisamos ficar atentos, pois como ocorreu com a repercussão geral, o chamado filtro de relevância é, como dito, requisito de admissibilidade do recurso especial. 

*Jorge Marquezi é advogado e sócio de Brasil Salomão e Matthes Advocacia, especialista em Direito Tributário. (jorge.marquezi@brasilsalomao.com.br)