*Carolina Menezes Ferreira
Ao final do ano de 2019, o mundo conheceu um inimigo em comum, que chegou ao Brasil no começo de 2020, o vírus Sars-Cov-2, divulgado como “coronavírus”. Conhecido e temido pela sua rápida proliferação, esse vírus deu origem à pandemia que estamos vivendo ainda hoje, em meados de 2021.
Diversas foram as especulações para contenção de disseminação deste vírus, no entanto, as medidas que mostraram (e se comprovou[1]) mais eficazes foram o uso de máscaras, cuidados com a higiene pessoal e evitar aglomerações. Para que a sociedade cumprisse com as recomendações acima expostas, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou fortemente o isolamento social.
Deste modo, tanto no Brasil, como em todo o mundo, foi instituída a proibição de circulação de pessoas e de funcionamento do comércio, serviços e repartições públicas, medida conhecida como lockdown, para contenção de propagação do vírus. Ocorre que, com o fechamento das empresas e comércios, mesmo que por tempo determinado, a economia mundial foi extremamente prejudicada.
Logo no início dessa situação caótica, no mês de março de 2020, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), afirmou que “o choque econômico já é maior do que a crise financeira de 2008 ou a de 2001, após os ataques de 11 de setembro daquele ano[2]”.
E no Brasil não foi diferente. Conforme dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a variação do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro caiu 4,1% no ano de 2020[3], sendo o pior registro desde quando iniciados tais apontamentos.
Todos os segmentos tiveram que se reinventar, a fim de evitar a dispensa de seus funcionários, a redução de produção ou até mesmo o fechamento de suas portas. Contudo, nem todas as empresas conseguiram se reerguer com as próprias providências, o que não significa o encerramento de suas atividades.
Isso porque, conforme se sabe, em 2005 entrou em vigor a Lei nº 11.101, a qual possibilitou às empresas que recorressem ao instituto da Recuperação Judicial quando colocadas em situação de crise econômico-financeira, sem que, à primeira vista, fossem levadas à falência.
Como consequência da citada legislação, quando passados 11 anos da entrada em vigor da referida lei, no ano de 2016, o país atingiu o recorde de pedidos de Recuperação Judicial, totalizando 1.863 , segundo pesquisa realizada pelo Serasa Experian[4], o que se deu em razão da queda de 3,6% do PIB.
Deste modo, seguindo as medidas adotadas naquele ano, com a recessão do ano de 2020, as empresas continuam optando pela Recuperação Judicial, sendo que, em 2021, até o mês de abril, já foram requeridas 279 Recuperações Judiciais[5]. No mês de fevereiro de 2021, houve um aumento de 83,7% de pedidos em relação ao mês anterior[6].
Assim, é esperado que o recorde de 2016 seja batido neste ano. Isso em razão de as empresas estarem em situação de crise, decorrente do isolamento ocasionado pelo coronavírus, e, com o instituto, terem a possibilidade de se manter no mercado, sem que ocorram drásticas alterações em suas operações.
Essa garantia é prestada pelo princípio norteador do instituto, qual seja, a preservação da empresa, previsto no artigo 47 da Lei nº 11.101/05, que assim dispõe:
Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
Neste segmento, tem-se que as empresas que vêm enfrentando a crise sanitária decorrente da Covid-19 não precisam cessar suas atividades, já que, pelo instituto da Recuperação Judicial, mediante renegociação de dívidas diretamente com os credores, via Plano de Recuperação Judicial (PRJ), podem se reerguer.
Com previsão clara no PRJ, e estando o mesmo aprovado pelos credores em Assembleia Geral de Credores, a renegociação prevê deságio no pagamento das dívidas, bem como carência para seu início, dando um fôlego às empresas.
Além disso, no intervalo entre o requerimento do instituto da Recuperação Judicial e a apresentação de PRJ, a empresa possui garantia de suspensão das execuções ajuizadas em seu desfavor e de proibição de qualquer medida expropriatória de bens, cujos créditos estejam sujeitos à Recuperação Judicial, conforme previsão do art. 6º da Lei nº 11.101/05.
Deste modo, tendo-se em vista os prováveis resultados favoráveis decorrentes da Recuperação Judicial[7], é que se justifica o aumento dos pedidos no ano de 2021.
Ainda, ao final do ano de 2020, entrou em vigor a Lei nº 14.112/20, que trouxe alterações à Lei de Falência e Recuperação Judicial, o que, evidentemente, se tornou um atrativo às empresas, vez que pretende-se mais celeridade ao processo. As empresas que se virem prejudicadas pela crise pandêmica enfrentada em todo o país podem valer-se deste instituto para se reerguerem e superar os desafios que lhe são impostos, desde que preenchidos os requisitos previstos no art. 48 da Lei nº 11.101/05, o que vem sendo feito.
O grande aumento destes requerimentos demonstra a esperança das empresas pela eficácia do instituto, a fim de que não seja a hora do fim de suas atividades. Mesmo que o procedimento esteja se adaptando para adquirir maior agilidade na sua tramitação, conforme já informado acima, o estímulo às empresas para se renovarem pelo instituto é notório.
Portanto, apesar da grande crise enfrentada e do período difícil que todos estão passando, é hora de se reinventar e reestruturar os negócios, e não de finalizar algo que pode ser soerguido.
*Carolina Menezes Ferreira é advogada com atuação em recuperação judicial e falências
[2] https://www.bbc.com/portuguese/internacional-52002332
[3] https://www.ibge.gov.br/indicadores#variacao-do-pib
[5] e 6 https://www.serasaexperian.com.br/conteudos/indicadores-economicos/