O vício do produto e a repercussão do dano no patrimônio material do consumidor

*Telmo de Alencastro Veiga Filho

15 de março, Dia do Consumidor.

Prudente, então, um breve esclarecimento sobre um ponto que, por várias vezes, apresenta-se obscuro até para quem é responsável pelo julgamento de demandas.

Somos todos consumidores.

Consumimos produtos e serviços que são oferecidos a nós e, por vezes, oferecemos produtos e serviços que são consumidos por outros como nós.

Invariavelmente, de tempos em tempos, acabamos por adquirir produtos ou contratar serviços que apresentam vícios e não são adequados ao consumo.

Para reclamarmos de tais vícios e buscarmos a troca do produto, a devolução do montante pago, a reexecução do serviço ou qualquer outra providência prevista no Código de Defesa do Consumidor (CDC), temos que nos atentar para certos prazos, de decadência ou prescrição de nossos direitos.

O Código de Defesa do Consumidor trata de duas hipóteses para a perda do exercício do direito pelo consumidor que se sentir lesado por um defeito no produto ou serviço: Decadência e Prescrição.

Utilizando uma forma branda de abordar a questão, pode-se dizer que a decadência, prevista no art. 26 do CDC, trata de vícios em produtos ou serviços que afetem sua funcionalidade.

Nessa hipótese, o consumidor terá o prazo decadencial de 30 (serviços e produtos não duráveis) ou 90 (serviços e produtos duráveis) dias para reclamar dos vícios aparentes ou de fácil constatação, sendo que tal contagem do prazo decadencial inicia-se a partir da entrega efetiva do produto, ou do término da execução dos serviços.

No caso de vício oculto, a diferença é que a contagem do prazo decadencial se inicia no momento em que ficar evidenciado o defeito.

Esta é a hipótese mais “clássica” e recorrente prevista no Código em comento, uma vez que grande parte das reclamações consumeristas são decorrentes somente da má prestação de serviços ou do não funcionamento de produtos, sem que o defeito venha a repercutir em seu patrimônio material ou imaterial.

Quando o vício do produto ou serviço é tamanho, que implica repercussão no patrimônio material ou imaterial (moral) do consumidor, deixa-se de lado a contagem de prazos decadenciais e entra em cena o instituto da prescrição.

De acordo com o art. 27 do Código de Defesa do Consumidor, utiliza-se o prazo prescricional quinquenal quando de danos causados por fato do produto ou do serviço.

Trocando em miúdos, se o produto adquirido ou o serviço contratado apresentar vício de monta suficiente para causar prejuízo patrimonial material ou moral ao consumidor, abandonam-se os prazos estreitos, previstos no art. 26, e deve-se utilizar o prazo mais longo, e prescricional, do art. 27, que é de 5 (cinco) anos, a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.

No entanto a questão não se apresenta tão simples quando posta ao crivo de alguns julgadores.

Diversos magistrados interpretam os dizeres “fato do produto ou serviço”, equivocadamente, e entendem que a utilização do prazo prescricional do art. 27 somente se dará se estivermos frente à uma situação de acidente de consumo que, em singela explicação, é aquele vício que represente riscos à saúde ou segurança do consumidor.

Trata-se de uma interpretação/visão minimalista, já que quando analisamos a exposição de motivos do Código de Defesa do Consumidor e passamos a aplicá-la em seus artigos, fica clara a intenção do legislador em dar um espectro de abrangência mais amplo à norma em questão.

Em tal linha de raciocínio o que se deve entender por “fato do produto ou serviço” não abarca somente risco à saúde ou segurança, mas qualquer vício que for grave o suficiente a ponto de diminuir o patrimônio material do consumidor ou mesmo abalar sua honra, de forma tão acintosa, que ultrapasse os limites do mero aborrecimento e lhe cause um dano moral.

Quando presente tal vício grave e constatada a diminuição do patrimônio a hipótese será de responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço, atraindo, por conseguinte, o prazo prescricional quinquenal do art. 27 do referido diploma legal.

Em recente decisão, o Ministro do STJ, Marco Aurélio Bellizze, ordenou que o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás reanalisasse um caso no qual um consumidor adquiriu um veículo que, depois de certo prazo, começou a apresentar superaquecimento do motor, dentre outros problemas.

O veículo havia sido adquirido pelo consumidor que acabou por optar por aluga-lo para terceiros, via contrato oneroso, pelo período de vinte e quatro meses, com multa rescisória.

Pouco tempo depois de firmado o contrato, o locatário manifestou-se por sua rescisão, sob o argumento de que o automóvel apresentava diversos problemas, além de constante e recorrente superaquecimento do motor.

Ante o término abrupto do contrato de aluguel do veículo, o consumidor foi obrigado a pagar multa rescisória ao locatário.

O veículo foi encaminhado à concessionária para os reparos necessários, porém esta negou-se a efetuá-los sem cobrar por tais serviços, sob o argumento de que o prazo de garantia já havia expirado.

Nesse cenário, o consumidor estava amargando prejuízos pelo vício apresentado (uma vez que teria de desembolsar valores para o conserto de um bem que tinha adquirido há pouco tempo), pelos lucros cessantes com o término precoce do contrato, com a multa rescisória mencionada e ainda a própria depreciação do bem.

O consumidor fez o mais correto: procurou um advogado!

Proposta a ação competente e, após os trâmites legais, veio a sentença extinguindo o processo, com resolução do mérito, ante o reconhecimento da decadência, entendendo, portanto, que o caso atraía a aplicação do prazo decadencial previsto no art. 26 do CDC, pois se referia a vício de qualidade de produto durável, sem a existência de acidente de consumo (riscos à sua saúde ou segurança do consumidor).

Tal entendimento do magistrado singular foi ratificado pela segunda instância, reafirmando-se a impossibilidade de utilização do prazo prescricional do art. 27, ante, novamente, a inexistência de riscos à saúde ou segurança do consumidor.

Apresentado Recuso Especial ao STJ, as decisões das instâncias ordinárias foram afastadas, uma vez que há comprovação de que o vício de qualidade do automóvel, muito embora não tenha gerado danos à saúde ou segurança do consumidor, repercutiu no seu patrimônio material, diminuindo-o.

Portanto é inafastável a aplicação do prazo prescricional de 5 (cinco) anos, previsto no art. 27 do CDC, ao pedido de indenização por danos materiais, compreendidos os lucros cessantes e a multa pela rescisão do contrato de locação.

Cabe a nós, enquanto consumidores, mantermo-nos atentos a nossos direitos e buscar a devida reparação sempre que formos lesados.

Nesse 15 de março, em que é comemorado o dia do consumidor, é válido lembrar a necessidade de sempre consultarmos um advogado para que tenhamos conhecimento dos nossos direitos e qual o melhor caminho para exercê-lo.

*Telmo de Alencastro Veiga Filho é advogado, palestrante e professor, atuante no Direito Civil e do Consumidor. Especialista em Direito Civil, Direito Processual Civil e em Direito Público. Ampla experiência em Direito Contratual e contencioso cível. Conselheiro Estadual da OAB-GO, gestões 2016/2018 e 2019/2021. Sócio da banca Fernando de Paula & Telmo de Alencastro Advocacia.