O sistema de registro de preços na nova Lei de Licitações

*Ariston Araújo

Desde 1993, o Sistema de Registro de Preços (SRP) está previsto em nossa legislação, com a aprovação da Lei Federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993, já que o seu art. 15 assevera que as compras, sempre que possível, deverão ser processadas através do sistema de registro de preços (inciso II). Acrescenta ainda o § 1º do mencionado artigo que o registro de preços será precedido de ampla pesquisa de mercado e, pelo § 3º, diz que será regulamentado por decreto, rematando, no § 4º, que a existência de preços registrados não obriga a Administração a firmar as contratações que deles poderão advir.

Em 19 de setembro de 2011, a União, por meio do Decreto nº 3.931, regulamentou o SRP, previsto no citado artigo 15, o qual fora revogado pelo Decreto nº 7.892, de 23 de janeiro de 2013, que se encontra em vigor até hoje. Já no âmbito do Estado de Goiás, somente com a edição do Decreto 7.437, de 06 de setembro de 2011, que o assunto fora regulamentado nestas plagas goianas, e que, também, ainda vige.

Como a lei que estabeleceu as normas gerais (8.666/1993) autorizou expressamente que os entes federados regulamentassem o SRP por Decreto, os municípios também estavam autorizados a promover suas respectivamente regulamentações do assunto, por decreto, conforme permissivo contido no 3º do art. 15 da lei federal.

A Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021 (nova lei de licitações) tratou do SRP nos artigos 82 a 86, de forma mais detalhada que a Lei 8.666, que optou pelo regulamento para o detalhamento de seu funcionamento por parte dos entes federados, conforme se aduziu no parágrafo inicial deste artigo. Mas, apesar de a Lei 14.133 ter dedicado quatro artigos ao SRP, algumas coisas precisam ser regulamentadas, conforme constam expressamente dos seguintes dispositivos legais: a) § 6º do art. 82 – para uso nas inexigibilidades e dispensas de licitação;  b) § 5, inciso II, do art. 82 – para ser usado para seleção de acordo com os procedimentos previstos em regulamento; e  c) art. 86 – realização de procedimento público de intenção de registro de preços para possibilitar a participação de outros órgãos na ata. Mas é claro que cada ente poderá regulamentar outros dispositivos da lei, e, inclusive, fazê-lo, em alguns casos, por meio de cláusulas insertas no Edital de Licitação.

A utilização do SRP é cabível nas seguintes hipóteses: a) Necessidade de contratações frequentes; b) Conveniência de fornecimentos fracionados; c) Comunhão de interesses entre entidades distintas; e d) Impossibilidade de estimativa precisa de quantitativos. É isto que prevê o art. 3º do Decreto nº 7.982/2013, no âmbito federal, e o art. 2º do Decreto nº 7.437, de 06.09.2011, no âmbito do Estado de Goiás. É evidente que, não havendo o enquadramento nas quatros possibilidades de utilização do SRP, a Administração não poderá valer-se deste sistema para suas contratações.

Aqui abro um parêntese para citar um caso concreto em que uma licitação por SRP foi suspensa pelo Tribunal de Contas dos Municípios de Goiás por falta de enquadramento nas hipóteses de utilização do SRP. Trata-se de certame realizado pela Secretaria de Mobilidade do Município de Goiânia-GO, que previa a contratação de equipamentos de fiscalização eletrônica do trânsito da capital. O TCM não vislumbrou a possibilidade de utilização do SRP neste caso, por não atender aos requisitos acima mencionados e, também, por envolver serviços complexos de engenharia, e não serviços comuns.

Entendo que não houve alteração na Lei 14.133, vis-à-vis da Lei 8.666, quanto às hipóteses de utilização do SRP, até mesmo quando a nova lei inova ao permitir a sua utilização nas inexigibilidades e dispensas de licitação (§ 6º do art. 82). Mas, como dito, esta possibilidade carece de regulamentação, aí é preciso esperar o regulamento para ver como o assunto será pormenorizado.

Outro ponto que a nova lei inova diz respeito à inclusão, no inciso VI, do art. 82, da obrigatoriedade de constar no edital de licitação “as condições para alteração de preços registrados”. Nem a lei 8.666 e os seus regulamentos permitem o reequilíbrio econômico-financeiro das Atas de Registro de Preços (apesar de haver divergências entre os doutrinadores sobre o assunto), então a questão é definir se o citado dispositivo contempla o reequilíbrio. Mas, se houver um contrato decorrente da Ata, e se se tratar de serviços contínuos com mão de obra com dedicação exclusiva, pode haver a repactuação. Na lição do notável doutrinador Marçal Justen Filho, se a ata tiver prazo superior a 12 meses (o que é permitido na nova lei, de acordo com o art. 84, por até dois anos) haverá a incidência automática do reajuste de preços, podendo haver a repactuação para serviços continuados com utilização de mão de obra exclusiva (in: Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas: Lei 14.133/2021, Ed. Revista dos Tribunais, Edição de 2021, pág. 1167). Não mencionou o autor a existência de contrato, mas dessume-se, por uma questão de raciocínio lógico, que este tipo de serviço demanda necessariamente a existência de contrato. Assim conclui Justen Filho sobre o assunto: “No entanto, a solução mais satisfatória consiste em promover essa modificação no âmbito de cada contratação específica”.

Inovou também a Lei 14.133 ao dispor sobre a possibilidade de se prever preços diferentes (inciso III do art. 82), nos seguintes casos: a) quando o objeto for realizado ou entregue em locais diferentes; b) em razão da forma e do local do acondicionamento; c) quando admitida cotação variável em razão do tamanho do lote; e d) por outros motivos justificados no processo. Inovou também ao permitir a possibilidade de o licitante oferecer proposta em quantitativo inferior ao máximo previsto no edital (inciso IV do art. 82), bem como o registro de mais de um fornecedor ou prestador de serviço, desde que aceitem cotar o objeto em preço igual ao do licitante vencedor (inciso VII do art. 82).

Sobre a previsão contida no inciso VII do art. 82, trata-se do chamado “cadastro de reserva”, o que é muito bem-vindo porque evita-se ter que realizar novo procedimento licitatório no caso de o vencedor não cumprir a ata, por qualquer motivo. Aliás, esta previsão já está inclusa no Decreto Federal nº 7.892/2013, em seu inciso II, do art. 11, portanto é somente uma inovação em relação à Lei 8.666/1993 e ao Decreto Estadual 7.437/2011, que não permite formar o cadastro de reserva.

Outro ponto que gerou muita polêmica, mas que foi resolvido na nova lei diz respeito ao critério de julgamento de menor preço por lotes ou por itens, ao dizer, no § 1º do art. 82, que o critério por lote de itens somente poderá ser adotado quando for demonstrada a inviabilidade de se promover a adjudicação por item e for evidenciada a sua vantagem técnica e econômica, e o critério de aceitabilidade de preços unitários máximos, devendo ser indicado no edital. Já o § 2º do mesmo artigo, condiciona a contratação posterior de item específico constante de grupo de itens à realização de prévia pesquisa de preços, nos termos estabelecidos nos §§ 1º, 2º e 3º do art. 23 e à demonstração de sua vantagem para o órgão gerenciador da ata. Ou seja, a regra é adjudicação por item unitário.

Permite a lei, por outro lado, o registro de preços com indicação limitada a unidades de contratação sem indicação do total a ser adquirido, nas seguintes situações: a) quando for a primeira licitação para o objeto e o órgão não tiver registro de demandas anteriores; b) no caso de alimento perecível; e c) no caso em que o serviço estiver integrado ao fornecimento de bens (§ 3º do art. 82). No entanto, é obrigatória a indicação do valor máximo da despesa e vedada a participação de outro órgão na ata (§ 4º).

Continuam como na lei 8.666 o dispositivo que desobriga a Administração de contratar os preços registrados (art. 83), bem como a vedação aos órgãos da Administração Pública Federal de aderirem à ata de registro de preços gerenciada por órgãos estaduais, distrital ou municipais (§ 8º do art. 86) e a obrigatoriedade de realização de ampla pesquisa de preços de mercado para compor o valor médio estimado da licitação que visa o registro de preços (inciso I do § 5º do art. 82).

Quanto aos quantitativos dos itens que cada órgão não participante da licitação (chamados caronas) poderá aderir, a lei fixou o limite de 50% dos quantitativos dos itens do instrumento convocatório registrados na ata de registro de preços para o órgão gerenciador, não podendo exceder, na totalidade, ao dobro do quantitativo de cada item registrado, independente do número de órgãos não participantes que aderirem (§§ 4º e 5º do art. 86).  Com esta medida, tornou-se inviável a chamada “indústria das atas de registros de preços”, em que uma empresa vencia uma licitação e oferecia a contratação a inúmeros órgãos.

À guisa de conclusão, pode-se dizer que a Lei 14.133 avançou no que tange ao Sistema de Registro de Preços, ao estabelecer normas gerais que os entes federados deverão observar na sua regulamentação. Ao contrário de alguns doutrinadores, sou favorável à utilização do SRP para as contratações públicas, desde que seja utilizado com algumas cautelas, como, por exemplo, que os preços registrados sejam compatíveis com os praticados no mercado, garantindo-se a vantajosidade em sua utilização. E, para a adesão, que haja ampla e prévia pesquisa de preços por parte do órgão aderente, também com o intuito de se comprovar a vantajosidade para a Administração.

*Ariston Araújo é advogado especializado em Licitações e Contratações Públicas